COMUNICADO
24.janeiro.2024
À semelhança do que aconteceu nas campanhas para as Legislativas de 2019 e 2022, decidimos apoiar os partidos políticos na construção dos seus programas eleitorais na área dos CSP (Cuidados de Saúde Primários), propondo reunir com cada um dos que tem assento parlamentar e sugerindo uma série de medidas que consideramos fundamentais para a garantia de uma prestação de cuidados de saúde com melhor acesso e mais segurança para os cidadãos. Este contacto com os partidos foi feito durante o dia de hoje.
As alterações na Saúde, em particular na sua força de trabalho e nos contextos nacional, europeu e
mundial foram demasiado intensas para se manter a mesma estratégia de há dois anos atrás, quando o atual Governo tomou posse. Por outro lado, a atual estratégia não está a dar os resultados esperados e necessários, apesar dos progressos que este Governo garantiu, de que são exemplos a generalização das USF modelo B, a abertura de todas as vagas disponíveis para médicos de família nos concursos de recrutamento ou a autodeclaração de doença. Este sucesso incompleto pode ser devido às evoluções paralelas que aconteceram: generalização das ULS, negociações arrastadíssimas sobre os modelos remuneratórios, modelos remuneratórios subótimos e que criam incerteza e problemas éticos, foco nos médicos e desvalorização das outras profissões da saúde, desvio de financiamento para estruturas fora do SNS (como aconteceu, este ano, no caso da vacinação da gripe e COVID-19 com todos os problemas que se lhe seguiram – ver documentos 1 e 2), campanhas infelizes que menorizam o SNS, falta de priorização, por parte dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, EPE (SPMS, EPE) de medidas para melhorar os sistemas informáticos de apoio aos CSP.
Portugal conheceu, nas últimas décadas, uma transformação inédita no contexto da Administração Pública, que foi a Reforma dos Cuidados de Saúde Primários (CSP) de 2005, mas que permanece inacabada. Assim nasceram as Unidades de Saúde Familiar, com ganhos já demonstrados por vários estudos (ex. Relatório Final da CNCSP e ver apresentação da USF-AN de 2023 com um resumo da evidência) , concluindo-se, em todos, que as USF modelo B conseguem:
- uma melhoria significativa dos ganhos em saúde, com
- uma redução significativa dos custos globais.
Na realidade, nas zonas do país onde a população tem toda acesso a uma equipa de saúde familiar no SNS, onde a percentagem de USF modelo B é maior, como acontece na zona norte do país, não assistimos aos problemas com a intensidade que vemos acontecer no Sul, nomeadamente, nas urgências hospitalares (que, deve-se dizer, atinge também as do setor privado).
Não alheio a este problema temos a proliferação de instituições privadas (que têm depois de encontrar financiamento) muito mais expressiva na zona de Lisboa, devendo-se dizer que muito pouco se sabe sobre a qualidade dos cuidados no setor privado ou social, ao invés do setor público, nomeadamente das USF, em que os dados da sua atividade e os seus resultados estão em sites (BI CSP e Portal da Transparência) de acesso a todos.
Tem vindo a acontecer, ainda, a utilização de recursos financeiros que seriam importantes para financiar a melhoria dos recursos existentes em soluções como a que vimos ser adotada pela Câmara Municipal de Lisboa, que apostou num “plano de saúde” com o setor privado e social que se revelou muito pouco útil e que, por tal, só atingiu 10% da população prevista. Por outro lado, não foram construídos, ainda, todos os centros de saúde previstos na zona de Lisboa.
A opção pelo Setor Público, portanto, não é uma questão ideológica, mas antes uma decisão baseada na evidência, naquilo que tem tido resultados no passado em Portugal.
Acreditamos que o papel das organizações profissionais, como a USF-AN, passa também por intervir no debate político, realçando no debate o que interessa à população Portuguesa nas áreas da nossa atividade e informando os seus associados e a população sobre propostas que lhes podem interessar. A USF-AN tem tentado ter esse papel ao longo do tempo, reunindo com todos os atores da Saúde, intervindo nas redes sociais (Facebook e Instagram), participando em eventos públicos, emitindo comunicados e publicando recomendações.
Neste sentido, apresentámos, a todos os partidos, as medidas que consideramos fundamentais para o desenvolvimento dos CSP e consequentemente do SNS, nomeadamente:
- Preservar o Serviço Nacional de Saúde, garantindo-lhe o financiamento adequado de modo a que cubra toda a população com respostas de qualidade e equitativas;
- Continuação da Generalização das USF modelo B, criando condições para que seja possível atribuir a cada residente em Portugal, uma equipa de saúde familiar a trabalhar em condições otimizadas com mais recursos e sem perda das condições de trabalho financeiras e organizacionais; esta medida ainda necessita de melhorias na sua implementação, nomeadamente quanto aos incentivos (ver abaixo);
- Garantir aos profissionais das USF, um novo equilíbrio entre a sua vida pessoal/familiar e profissional, através de uma base salarial digna com consequente maior grau de previsibilidade remuneratória com aumento da parte fixa do vencimento que cubra a inflação dos últimos 20 anos e que represente uma progressão normal dos vencimentos, para todas as profissões da saúde;
- Proteger o trabalho em equipa nas USF, garantindo a todos os elementos da equipa vencimentos justos, condições de trabalho adequadas e progressão satisfatória numa carreira profissional;
- Assegurar que os despachos previstos pelo novo Decreto de Lei das USF definam:
- que os vencimentos de toda a equipa representem uma verdadeira valorização remuneratória;
- um modo de cálculo da remuneração de médicos, enfermeiros e secretários clínicos segundo os mesmos princípios;
- uma ponderação das listas de utentes de cálculo fácil e compreensível pelos profissionais que vão ver a sua remuneração dela dependente;
- que o IDE seja reconsiderado para garantir que exista uma atividade base que garanta acessibilidade, equidade no acesso e qualidade dos cuidados e que as equipas são justamente compensadas por essa prestação e que acima desse limiar existam incentivos adicionais associados à melhoria de resultados, de acordo com cada realidade específica. É importante garantir que as equipas que trabalham em zonas de graves carências de recursos humanos ou de apoio social ou com maior prevalência de patologia de difícil controle se sintam motivadas a investir para ganhos em saúde e não sejam penalizadas em relação a outras que têm a possibilidade de trabalhar com populações mais favorecidas, com melhores recursos. Particularmente nas zonas com menores recursos, é importante que os incentivos sejam majorados para atrair capital humano capaz de garantir as condições de saúde necessárias às populações.
- que o IDE – Índice de Desempenho de Equipa previsto para avaliar a qualidade dos cuidados, considere a necessidade de atualizar aquilo que são boas práticas para estarem alinhadas com a evidência internacional, podendo-se considerar a hipótese de adicionar mais áreas ao IDE de acordo como as orientações do Plano Nacional de Saúde;
- que o IDE – Índice de Desempenho de Equipa previsto e que determina parte do vencimento dos profissionais, deixe de contemplar indicadores relacionados com os custos de medicamentos e meios complementares de diagnóstico (por questões éticas óbvias e aumento do custo de uns e outros) e utilização da urgência hospitalar e internamentos evitáveis (por não estarem na alçada completa do desempenho das equipas); estes indicadores podem contar, como até aqui, para os incentivos institucionais, dinheiro que reverte para a formação e investimentos nas unidades funcionais e não para o vencimento dos profissionais até porque esta estratégia tem dado resultados, como se consegue ver na comparação de Portugal (dos melhores) com o resto da OCDE no caso dos internamentos (das fatias mais onerosas dos custos do SNS) evitáveis;
- Garantir o pagamento dos incentivos institucionais como promotor da autonomia das equipas e garantia de formação e diferenciação para as equipas, com efeitos retroativos (não são atribuídos desde 2017);
- Rever, de uma vez por todas, a arquitetura dos sistemas de informação, centrando esse sistema no cidadão e com um sistema de registo minimamente funcional para os enfermeiros de família, o que atualmente não acontece;
- Melhorar as plataformas tecnológicas de apoio à prática clínica, através da interoperabilidade de todos os sistemas, conclusão do processo de desmaterialização dos MCDT (nomeadamente exames de imagem), uniformização de interfaces e usabilidade e definição do processo e metas até à efetivação do “processo clínico único”;
- Rever e atualizar os equipamentos informáticos e o apoio informático;
- Implementar, de facto, o DL n.º 103/2023 que aponta que os enfermeiros que constituem uma USF têm de deter o título de especialista em Enfermagem de Saúde Familiar (ESF); no entanto, não têm sido abertos concursos de ingresso na categoria de especialista em ESF, nem definidas épocas para a abertura dos mesmos. Neste sentido, deve-se possibilitar o ingresso automático na categoria de especialista para todos os Enfermeiros com título profissional de especialidade de Enfermagem de Saúde Familiar, sem necessidade de concurso. Garantir, ainda, que a formação especializada dos enfermeiros de família decorra em regime de Internato, à semelhança da especialidade de medicina geral e familiar e haja um reconhecimento efetivo do percurso profissional dos profissionais que exercem atualmente em contexto USF;
- Valorizar a atividade do secretariado clínico, com a saída do despacho do perfil de competências e funções já proposto anteriormente com o contributo da USF-AN, com possibilidade de criação de estrutura formativa para o efeito, tudo visando o estabelecimento de uma carreira;
- Desbloquear os concursos de recrutamento de enfermeiros e secretários clínicos, alguns já com vários anos;
- Criar bolsas de profissionais (no caso dos médicos, que sejam médicos com a especialidade de Medicina Geral e Familiar) que assegurem a compensação das ausências prolongadas nas unidades ou o atendimento à doença aguda dos utentes sem equipa de saúde familiar atribuída ou outras atividades não previstas;
- Estando-se a assistir a uma frágil implementação do modelo Unidade Local de Saúde (ULS), exigir a participação dos CSP no processo de tomada de decisão e no acompanhamento do processo, garantindo uma melhoria na prestação e organização dos diferentes níveis de cuidados, respeitando, no entanto, a identidade que os caracteriza e que vem sendo diferenciadora ao longo dos anos;
- Contribuir para a criação de uma verdadeira política de recursos humanos nos CSP, aumentando a contratação de profissionais de saúde:
- Revisão dos rácios dos vários grupos profissionais nas unidades funcionais e ACeS, nomeadamente, enfermeiros, secretários clínicos, assistentes sociais, psicólogos, médicos dentistas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, nutricionistas e outros técnicos de saúde;
- Ajustar os mapas de vagas de ingresso ao internato de Medicina Geral e Familiar às necessidades territoriais atuais e previsão de necessidades futuras (ex.: pelas aposentações);
- Aumentar a capacidade de formação de especialistas em Medicina Geral e Familiar, através da formação de novos orientadores (cursos básicos e Euract), atribuição de incentivos remuneratórios à formação, independentemente do modelo da unidade funcional, em zonas definidas como carenciadas e garantir que os hospitais do SNS priorizam vagas suficientes para os estágios hospitalares destes internos, por forma a não limitarem a capacidade formativa;
- Definir os critérios de “zona carenciada”, com base na percentagem e/ou número bruto de utentes residentes sem médico/equipa de saúde familiar e possibilitar que todos os que aí ingressem no internato e especialidade, possam optar pelo regime de vagas protocoladas (Lisboa e Vale do Tejo concentra 70% do défice nacional e não é considerada carenciada);
- Fomentar a possibilidade dos municípios contratualizarem o pagamento de suplementos salariais aos profissionais nas “zonas carenciadas”, em montante definido nos concursos, estabelecendo condições de fidelização semelhantes aos protocolos de internato médico em vagas carenciadas. Este poderia ser aberto a profissionais que se desvincularam do SNS (nomeadamente recém-especialistas) em anos anteriores;
- Permitir a mobilidade entre locais de trabalho efetiva, célere e em prazos previsíveis e de acordo com a vontade dos profissionais se houver necessidade deles no local de destino (porque se não, esses profissionais vão sair do SNS);
- Simplex – simplificar os processos de trabalho e de interação com o utente e eliminar a burocracia desnecessária.
Para o novo ciclo político, é fundamental que a Saúde deixe de ser uma arma de arremesso nas disputas políticas, ideológicas e eleitorais e seja possível chegar a um consenso sobre as grandes linhas a seguir nos próximos 10 anos. A população de Portugal precisa desse consenso, a economia portuguesa precisa desse consenso: um dos maiores ativos de uma sociedade é uma população saudável.
Cuidados de saúde de qualidade têm de chegar a todos! Sem exceção!
Damos a conhecer o QUESTIONÁRIO DE AUSCULTAÇÃO AOS PARTIDOS POLÍTICOS – LEGISLATIVAS 2024 – AQUI .
A Direção