A utilização do computador na consulta (médica ou de enfermagem) constitui, nos dias de hoje, uma realidade incontornável. As vantagens são inegáveis: permite um acesso rápido e uma gestão mais eficaz dos registos clínicos, facilita a prescrição, é útil em cuidados preventivos e na gestão da doença crónica (através de sistemas de alerta e de planeamento activo), possibilita um fácil acesso à informação científica e é uma ferramenta preciosa para comunicar com outros elementos da equipa de saúde e mesmo com os doentes.
Por outro lado, levanta questões sobre o possível efeito negativo no desempenho médico e nos padrões de cuidados aos doentes, sobre os custos e o tempo necessário para o treino da sua utilização (questões por vezes desvalorizadas), sobre a privacidade e a confidencialidade dos dados, e acima de tudo, lança um enorme desafio à comunicação e à relação terapêutica entre o clínico e o doente.
O computador tornou-se um terceiro actor na consulta, com o qual os outros dois (clínico e doente) têm de contracenar, logo desde o primeiro minuto da consulta, o que pode impedir o estabelecimento da necessária relação empática. Reconhecendo-se que uma consulta centrada no doente resulta em maior satisfação (quer para o doente quer para o próprio clínico) e em melhores resultados em saúde, é da maior importância que esta relação não seja afectada pela presença do computador na consulta.
Os estudos que têm avaliado o impacto do computador têm demonstrado que a sua utilização durante a consulta pode diminuir o contacto visual, a informação fornecida pelos doentes, a resposta do clínico às dúvidas dos doentes e a quantidade de informação psicossocial.
De acordo com José Mendes Nunes (médico de família e especialista em Comunicação Clínica), a interferência do computador na consulta pode-se comparar à interferência do preservativo numa relação sexual: de início estranha-se e só atrapalha, mas à medida que nos vamos habituando, deixa de interferir e contribui para a segurança da relação!
Para que a relação clínica se mantenha segura e com interferências mínimas do computador, têm sido desenvolvidas algumas recomendações: o aperfeiçoamento das tecnologias de apoio à consulta e o treino adequado dos clínicos na sua utilização e o treino de competências específicas de comunicação.
Entre as competências específicas de comunicação úteis na consulta com o computador, salientam-se as seguintes:
- Separar a pesquisa e registo de alguns dados da consulta em si (por exemplo, rever a lista de problemas e as visitas anteriores antes de chamar o doente e registar informação adicional após o doente sair do consultório), diminuindo as interrupções durante a consulta.
- Iniciar a consulta pelas preocupações do doente.
- Manter o contacto visual com o doente, retirando as mãos do teclado e do rato, ou seja, focar a atenção no doente e não no computador.
- Sempre que necessário, verbalizar as transições para o computador com um pedido de permissão ao doente, mantendo uma postura aberta e informando os doentes do que se está a fazer.
- O monitor deve estar visível para o doente para que, quando apropriado, ele possa ler informação importante do monitor, permitindo que o doente se sinta parte integrante da relação.
Obviamente que para isto funcionar de maneira positiva para clínicos e para doentes seria necessário, em primeiro lugar, que estivesse satisfeita a premissa anterior: o aperfeiçoamento das tecnologias de apoio à consulta. O que inclui programas amigáveis e facilitadores do trabalho dos profissionais e redes fiáveis e que não atrasem nem bloqueiem o decorrer da consulta. É exactamente o que falta ao nosso SNS. Voltando à analogia anterior, é como utilizar um preservativo do século XIX, com furos e sem elasticidade…
Dilermando Sobral
Médico de Família
* o autor optou por não utilizar o novo acordo ortográfico