12 pistas para a governação dos Cuidados de Saúde Primários do Séc. XXI, do estudo “Momento Atual da Reforma dos CSP em Portugal”

Yuval Noah Harari o historiador que escreveu um dos melhores livros da história da humanidade em “Sapiens” e o visionário “Homo Deus”, lançou agora as “21 lições para o século XXI”. Nele diz-se que no mundo atual é necessário ter lucidez e tempo e condições para investigar para se conseguir discernir quais as questões centrais do debate que se tem de fazer aqui e agora e qual a informação útil.

Em relação à lucidez, logo se verá se a tivemos, mas dedicámos muitas horas a investigar para chegar às questões que considerámos centrais na Reforma dos CSP e a coletar, tratar e discutir informação que achámos útil para as decisões que se têm de tomar para uma melhor governação dos CSP neste século XXI em Portugal.

O estudo “Momento Atual da Reforma dos CSP em Portugal”, que regista já a sua nona edição desde 2009, mantém o objetivo de caracterizar o estado da reforma dos CSP através da avaliação que os coordenadores das USF fazem do momento atual desta reforma. Este estudo é um censo e foram inquiridos, em abril de 2018, todos os coordenadores de USF em atividade, conseguindo-se um número recorde de respondentes – 372 coordenadores e uma taxa de resposta de 75%, também a maior de sempre.

O primeiro resultado é que a grande maioria das USF Modelo A (91,46%) pretende passar a Modelo B, mas tal não lhes está a ser permitido, o que reforça a ideia de que o Modelo A é encarado como um modelo transitório para o modelo em que os profissionais querem, de facto, trabalhar: o Modelo B.

Em termos gerais há mais insatisfação em relação ao processo geral da reforma e estruturas governativas nacionais (nota: a avaliação foi em abril de 2018, refere-se portanto, à atuação sob o elenco ministerial anterior ao atual), mantém-se a satisfação em relação à estrutura associativa das USF, a USF-AN, e à Coordenação para a Reforma do SNS na área dos CSP. O nível de satisfação mais alto de todas as estruturas avaliadas regista-se em relação à atividade da própria USF, seguindo-se com a USF-AN e com o ACES a que pertence a USF. No sentido inverso, o nível de insatisfação maior é para com o Ministério da Saúde, seguindo-se a SPMS e a ACSS – a satisfação com as estruturas da Administração Central acentuou o registo negativo, anulando a recuperação que se tinha verificado no ano passado. A satisfação em relação às ARS e estruturas regionais manteve-se num registo negativo, mas sem anular as melhorias do ano anterior, ainda que mais bipolarizada.

As razões deste estado de coisas podem estar na análise das 12 áreas abarcadas pelo estudo – Satisfação com a Reforma dos CSP; Identificação de Necessidades; Qualidade; Informatização; O ACES e as outras Unidades Funcionais do ACES; Instalações e Equipamentos; Recursos Humanos; Relação com a comunidade; Segurança e Bem-Estar dos profissionais; Evolução das Políticas; Contratualização; e Estágios de Formação.

Estas 12 áreas são depois abordadas segundo 5 prismas – geral, por ARS, por modelo, pela antiguidade e por estar ou não incluído numa ULS – e as conclusões são sintetizadas num sumário executivo. Acreditamos que o modo como o relatório está apresentado, apontando variações regionais e a satisfação associada, pode ser um apoio a considerar pelas instâncias centrais e regionais nos seus relatórios e planos de ação.

Este estudo prova, também, que é possível auscultar os profissionais no terreno e disponibilizar informação em tempo útil para a monitorização do processo e desenho de melhorias.

Estas melhorias poderiam/deveriam passar por estas 12 medidas:

1 – Aumentar o número de USF e dar resposta às candidaturas Modelos A e B, abolindo as quotas administrativas e criando condições para que seja possível atribuir a cada cidadão uma equipa de saúde familiar a trabalhar em condições otimizadas.

2 – Expandir a autonomia de gestão dos ACES e diminuir a dimensão dos mega-ACES para aproximar a decisão do terreno, dos problemas e das soluções. Implementar imediatamente o processo de transferência de competências das ARS para os ACES assim como os recursos para o exercício dessas competências.

3 – Apostar mais fortemente no desenvolvimento da Governação Clínica e de Saúde, redimensionando os Conselhos Clínicos e de Saúde, dotando-os de mais profissionais com mais tempo dedicado para ser possível um acompanhamento próximo e qualificado das unidades funcionais e uma participação mais efetiva no seu desenvolvimento e melhoria.

4 – Ter finalmente um Plano de Recursos Humanos Nacional a curto, médio e longo prazo. É, igualmente, essencial melhorar os rácios dentro das equipas, com mais enfermeiros e secretários clínicos. Os ACES têm, igualmente, de ter as várias profissões da Saúde representadas em números que possam responder às necessidades da população.  Da mesma forma importa criar mecanismos que permitam a substituição de elementos das UF com ausências prolongadas que não assentem apenas na inter-substituição.

5 – Adotar uma estratégia nacional de gestão do conhecimento para profissionais e população em geral. Promover um acesso facilitado às fontes de conhecimento clínico e gestionário, implementar planos de formação e desenvolvimento profissional nacional, regionais e locais parecem ser passos essenciais.

6 – É necessário rever a arquitetura dos sistemas de informação, centrando esse sistema no cidadão e num processo clínico único e efetuar uma avaliação de fundo dos sistemas informáticos das unidades para otimizar todo o processo de seleção e implementação de novas aplicações informáticas assim como de aquisição de serviços e equipamentos informáticos e assegurar serviços de apoio informático à altura das necessidades.

7 – Repensar e reorganizar os serviços telefónicos disponíveis porque é essencial que funcionem adequadamente e porque, atualmente, são um problema, uma fonte de conflito e de insatisfação.

8 – Realizar uma avaliação anual dos fornecedores de serviços (Ministério da Saúde, ARS, ACES, hospitais, ACSS, SPMS, entre outros) e publicá-la como forma de promover uma reflexão sobre a atuação das diversas estruturas e assegurar um futuro de maior proximidade e colaboração entre elas.

9 – Melhorar o apoio das ARS (Serviços de Apoio e ERA) e ACES (UAG e Conselhos Clínicos e de Saúde) nos processos de acreditação das USF, como motor da promoção da qualidade dos serviços.

10 – Implementar modelos de integração dos cuidados centrados nas necessidades do cidadão e não na integração da gestão, mas que verdadeiramente articulem as várias unidades e instituições, a Segurança Social, as Câmaras e Juntas de Freguesia.

11 – Reforçar os Serviços de Segurança e Saúde no Trabalho / Saúde Ocupacional e a sua atuação nos ACES com intervenções estruturadas, integradas e efetivas de prevenção e gestão dos acidentes de trabalho e da violência contra os profissionais de saúde.

12 – Fortalecer a ligação às comunidades e promover a sua participação ativa na vida das organizações da Saúde, reforçando as iniciativas na comunidade já implementadas pelas USF, ACES e ligas de amigos e tirando partido do apoio de projetos como “A Minha Saúde, a Minha Comunidade”, parceria entre a USF-AN e a DECO ou projetos como o “Mais Participação, Melhor Saúde”. Neste campo, ainda, aprofundar as relações com o Poder Local e as estruturas da comunidade.

A Reforma dos Cuidados de Saúde Primários tem vindo a mudar o panorama na Saúde como nenhuma outra reforma anterior na Saúde conseguiu desde a criação do Serviço Nacional de Saúde. Agora, é preciso continuar, promover, desenvolver. Não se pode perder a oportunidade de se realizar um salto significativo, um novo impulso para uma melhor saúde em Portugal.

 

Autores

André Biscaia, Médico de MGF na USF Marginal do ACeS de Cascais, ARS-LVT. É doutorado em Saúde Internacional – Políticas de Saúde e desenvolvimento.

António Pereira, Médico de MGF na USF Prelada do ACeS Porto Ocidental, ARS-Norte. É doutorando em Investigação Clínica em Serviços de Saúde, na FMUP.

Rui Cardeira, Enfermeiro na USF Anta do ACeS Espinho/Gaia, ARS-Norte.

Amanda Cavada Fehn, Enfermeira Mestres em Ciências, pela ENSP – Frio Cruz, no Brasil. É, também, doutoranda em Saúde Colectiva, pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Tiago Vieira Pinto, Enfermeiro na USP do ACeS Porto Ocidental, ARS-Norte. É doutorando em Investigação Clínica em Serviços de Saúde, na FMUP.

***Conheça o Relatório Final do Estudo Momento Atual da Reforma dos Cuidados de Saúde Primários em Portugal 2017/2018