Posição contra a integração de médicos sem especialidade de medicina geral e familiar nos CSP – Lei do Orçamento de Estado para 2022

COMUNICADO USF-AN

14.julho.2022

A Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar (USF-AN) tem-se manifestado sempre contra a incorporação de médicos sem a especialidade de Medicina Geral e Familiar (MGF) no Serviço Nacional de Saúde (SNS) para exercerem em áreas para as quais apenas especialistas em MGF estão habilitados, assim como nunca concordou com a integração destes médicos sem a especialidade de MGF nas Unidades de Saúde Familiar (USF). Nunca iremos ceder em nenhum destes pontos

A Lei do Orçamento de Estado para 2022 abre a porta a que médicos indiferenciados ou sem a especialidade de MGF possam ter a seu cargo uma lista de 1900 pessoas nos centros de saúde, ainda por cima com uma remuneração superior em 30% à de um médico interno a fazer a especialidade de MGF.

É um rude golpe no esforço colocado na diferenciação de todos os médicos de família já formados e daqueles que estão agora a fazer a especialidade. Pode, também, deitar por terra tudo o que está a ser feito para que todos os residentes em Portugal possam ter uma equipa de saúde familiar a exercer em condições otimizadas por:

  • Desviar verbas que poderiam ser utilizadas para melhorar as condições remuneratórias dos médicos com a especialidade de MGF ou as dos médicos atualmente em formação nesta especialidade, assim como das restantes profissões que constituem as equipas de saúde familiar (enfermeiros e secretários clínicos);
  • Desincentivar a especialização de mais médicos em MGF ao estar a oferecer melhores condições remuneratórias a médicos indiferenciados;
  • Apostar numa solução com custos indiretos para o utente e para o sistema, porque um médico sem a especialidade de MGF cometerá mais erros e será menos eficiente na prescrição de medicamentos ou meios complementares de diagnóstico e na referenciação para os cuidados hospitalares ou serviço de urgência;
  • Quebrar a relação de confiança com as associações profissionais da área que partilham a finalidade de melhorar o sistema de saúde português.

A especialização em Medicina Geral e Familiar implica um internato de formação médica específica de 4 anos, muito exigente (ainda que mal remunerado) e cuja qualidade tem sido reconhecida internacionalmente. Deixar que médicos não especialistas em MGF façam o papel de médicos de família equivale a poder contratá-los para fazerem partos ou transplantes pulmonares. É esta a porta que se quer abrir?

A USF-AN quer deixar claro que há linhas que não devem ser ultrapassadas e esta é uma delas.

Deixar residentes em Portugal sem equipa de saúde familiar também não é opção.

O que tem de ser dito é que esta é uma falsa solução e que vai apenas agravar o problema no futuro. Existem especialistas em MGF em número suficiente para dar resposta às necessidades. O que se tem de encontrar são soluções sustentáveis que atenuem o problema no presente e o previnam no futuro.

A USF-AN tem, ao longo dos anos, identificado e caracterizado problemas e proposto soluções para esta e outras situações, emitido inúmeros comunicados e discutido estas temáticas nos meios de comunicação social. Ainda no passado dia 28 de junho de 2022, foram apresentadas publicamente soluções viáveis para o problema de falta de equipas de saúde familiar em Portugal.

O atual concurso para entrada de médicos com a especialidade de MGF no SNS não vai conseguir resolver o problema porque:

  • Apenas contempla 432 vagas (o que cobre apenas cerca de 65% do número de médicos de família que já hoje são necessários no país e apenas 40% das vagas hoje necessárias na região de Lisboa e Vale do Tejo, a zona com pior cobertura por médicos de família);
  • Neste ano de 2022 entram em idade de potencial reforma mais 682 médicos de família;
  • Apenas 16% das vagas deste concurso foram consideradas carenciadas e na zona de Lisboa e Vale do Tejo apenas 6% (estas vagas têm incentivos muito relevantes);
  • Só se candidataram 379 médicos de família e nunca houve tantas desistências (110, 29% do total), sendo ocupadas apenas 62,2% das vagas, agravando-se, ainda mais a situação em Lisboa e Vale do Tejo, Algarve e Alentejo (com percentagens ainda mais baixas de ocupação); algumas das vagas, agora escolhidas, até podem não ser, de facto, ocupadas.

São necessárias, portanto, outras medidas. Ter só mais médicos de família não chega. São necessárias equipas de saúde familiar com enfermeiros de família e secretários clínicos em número adequado, assim como o apoio das outras profissões da saúde ao nível dos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACeS).

De entre as várias propostas que a USF-AN tem defendido, e que podem ajudar a solucionar este problema, destacam-se:

  • Fim das quotas para constituição das USF A e B. Nos últimos 10 anos houve uma incompreensível limitação à constituição de USF, sendo muitos dos novos profissionais forçados a trabalhar isoladamente, em unidades degradadas, com uma remuneração que não lhes permite ter uma vida digna, em particular em cidades com maior custo de vida (alugar uma casa nestes locais pode variar entre 40 e 70% do seu vencimento) e sem a perspetiva da sua situação melhorar num futuro próximo. Se todas as unidades dos Cuidados de Saúde Primários passassem a USF B, neste momento e com os profissionais que já estão no SNS, seria possível atribuir uma equipa de saúde familiar a trabalhar em condições otimizadas a mais 966 876 pessoas;
  • Colocação dos profissionais onde são necessários. É necessário aumentar o número de vagas carenciadas, é necessário que todas as vagas disponíveis sejam apresentadas em concurso e findo este se mantenham abertas para contratação direta; é importante permitir, de um modo mais facilitado, o assumir de horários parciais pelos profissionais que o queiram;
  • Adaptar o trabalho à diferenciação de cada profissional e libertando tempo para os médicos especialistas em MGF. Assim, propõe-se a criação de:
    • Centros de Rastreio;
    • Centros para atestado para Carta de Condução e outros atestados; 
    • Centros de atendimento para episódios agudos/contactos esporádicos nos Agrupamentos de Centros de Saúde;   
    • Equipas de apoio médico a centros de vacinação;
    • Equipas de apoio médico a ERPI – estrutura residencial para pessoas idosas;
    • Equipas de acompanhamento individual pontual/temporário para utentes que não queiram inscrição numa USF

Para estas tarefas, que libertariam tempo para os especialistas em MGF poderem dedicar-se apenas às suas listas, propõe-se a contratação, em primeira linha, de médicos com a especialidade de MGF disponíveis no mercado ou médicos de MGF aposentados e, caso não seja possível, a utilização de médicos não especialistas em MGF com vínculo ao SNS e a contratar sem oferecer o vínculo e com vencimento inferior ao de um médico interno (em fase de especialização), sempre enquadrados por especialistas em MGF;

  • Evitar a saída de mais médicos de MGF do SNS – Desbloquear a progressão da carreira médica, tornando-a atrativa, impedindo a fuga de médicos de família do SNS, por exoneração ou reforma; ampliar os incentivos aos médicos que já exercem nas zonas carenciadas;
  • Formar mais médicos de família e onde eles são necessários – Aumentar a remuneração dos médicos em formação para serem especialistas em MGF e dar incentivos para que se fixem em zonas carenciadas logo nesta fase; para este objetivo, poder-se-ia utilizar a folga orçamental que parece existir e serem procurados incentivos a desenhar junto do poder local dessas zonas;
  • Apoiar a diferenciação profissional de secretários clínicos e de enfermeiros:
    • implementando o perfil e mapa de competências do Secretário Clínico (de que a USF-AN apoiou a construção) e iniciando um plano de formação nacional inerente a este perfil, apostando-se na criação de uma carreira própria para estes profissionais.
    • defendendo-se a facilitação e generalização da especialização em enfermagem de saúde familiar;
  • Melhorar as condições de trabalho, garantindo instalações e equipamentos clínicos modernos, trabalho apoiado e em equipa multiprofissional alargada com as outras profissões da saúde em números e enquadramentos adequados, sistemas informáticos e respetivo apoio adequados, simplificação administrativa e atividade enquadrada por um planeamento e gestão relevantes;
  • Otimizar a Saúde Digital, implementando definitivamente o Processo Clínico Único Eletrónico, criando um sistema informático que racionalize o tempo dos profissionais de saúde e evite erros, assim como ferramentas que apoiem o utente no seu trajeto dentro do SNS.

Desta forma, a USF-AN vem pedir a revogação do ponto 9 do artigo 206º da Lei 12/2022 de 27 junho, juntando-se ao protesto organizado pela APMGF para o dia 16 de julho de 2022, solicitando que todos assinem a petição pela “Defesa da Especialidade de Medicina Geral e Familiar e dos Cuidados de Saúde Primários em Portugal” que já conta com quase 15.000 assinaturas.

A USF-AN continua disponível para trabalhar com todas as instituições na melhoria do SNS.

É possível ter uma equipa de Saúde Familiar a trabalhar em condições otimizadas para cada residente em Portugal!

Só o vamos conseguir com consensos alargados, pactos duradouros, propostas mobilizadoras e certeiras e a participação de todos.

A Direção da USF-AN