A coragem, a criatividade, a resiliência e a tenacidade são alguns dos atributos que tornaram possíveis as mudanças que ocorreram na reorganização dos Cuidados de Saúde Primários em Portugal nos últimos 16 anos. O impulso para a mudança não aconteceu por acaso. Ele nasceu por que houve gente que pensou, escreveu, debateu, convenceu e foi preparando o terreno para que a semente pudesse criar raízes e crescer.
Um projecto que, no início, pouco mais era do que uma utopia, mas que se foi tornando realidade e se desenvolveu porque respondia a uma necessidade e ao desejo de mudança e de afirmação de muitos profissionais. Qualquer processo de mudança é sempre mais fácil e, sobretudo, duradoiro se acontecer por apropriação colectiva de ideias e práticas.
Nada acontece por acaso. Foi no tempo certo que as ideias saltaram das páginas acumuladas durante vários anos de estudo e reflexão para o espaço de debate sobre as políticas de saúde, para as mesas de negociação e daí para o legislador. Assim a mudança se tornou possível. Mas esses primeiros passos foram apenas o catalisador. Os elementos e reagentes já estavam no local à espera dessa centelha. Seguiu-se então a reação em cadeia, a explosão de criatividade, de ideias novas, de voluntarismo, de dedicação, de esperança e de resultados.
Muita coisa mudou. Já nada, nunca mais, será como dantes. Aprendemos a fazer, a inventar e reinventar, a dar e a partilhar, a reproduzir e a adaptar, a criticar e a avaliar. Juntos, crescemos muito. Aprendemos novos termos, ensaiámos modelos diferentes, ousámos inventar e experimentar soluções inovadoras.
O reconhecimento pelo esforço desenvolvido está aí, à vista de todos. Dos cidadãos, afinal o objecto principal da nossa actividade. Dos nossos pares, nas várias organizações profissionais, rendidos à evidência do êxito do nosso percurso. De muitos analistas que escrutinam no dia-a-dia o resultado do nosso trabalho e lhe reconhecem o mérito. De políticos e dirigentes, alguns de forma genuína, porque sempre acreditaram na mudança ou se foram convencendo com o passar do tempo perante o sucesso já alcançado. De amigos e condiscípulos para além fronteiras, que observam com curiosidade e admiração a evolução do nosso modelo.
Apesar do muito já feito, ainda resta muito por fazer. E são muitos os obstáculos que surgem à nossa frente a todo o momento.
Estamos a construir uma mudança que comprova que é possível inovar, desenvolver e sustentabilizar um serviço público, geral e universal, alicerçado em serviços de proximidade altamente qualificados. Para tal é decisivo criar condições para que prestadores e destinatários se envolvam cada vez mais concorrendo para o mesmo objectivo. Os adversários desta mudança, esses existirão sempre, andam por aí à espreita da sua oportunidade. Não podemos esmorecer.
Este 6º Encontro Nacional das USF é, pois, tempo de reflexão e debate. Ao mesmo tempo que celebramos colectivamente os êxitos alcançados, devemos aproveitar estes três dias para reflectir, analisar e aprender em conjunto, trocar ideias, debater propostas e lançar novos desafios.
O “BI das USF”, a aposta mais recente e estruturante da nossa Associação, é um projeto em construção, que tem que ser apropriado pelas equipas! É uma clara afirmação de nossa identidade, e a visão estratégica do futuro que queremos continuar a construir de forma partilhada, inclusiva, e responsabilizadora; centrado nas pessoas, focado nos resultados e orientado pelos processos de cuidados; promovendo a qualidade e num compromisso de melhorar continuamente. É de forma inequívoca, um exercício de cidadania plena e transparência responsável.
Assim como iniciámos, partilhando e aprendendo em conjunto, assim devemos continuar pois iremos certamente prevalecer.
Jaime Correia de Sousa
Presidente da Comissão Científica