A “Crise das Urgências” e a crise das soluções para a “Crise das Urgências”

COMUNICADO USF-AN

14.dezembro.2021

Ciclicamente, nesta altura do ano, surgem artigos sobre as urgências e as suas crises (mesmo num ano em que o recurso a este serviço é dos mais baixos de sempre) como é o caso do artigo assinado pela direção do Colégio de Cirurgia Geral da Ordem dos Médicos, na edição do Público de 11 de dezembro do presente ano. 

Muitas vezes simplifica-se a questão, e, simultaneamente, complica-se a procura de soluções efetivas, arranjando um culpado: “necessariamente” (…) “a incapacidade de os cuidados de saúde primários darem resposta em tempo útil à doença aguda dos seus utentes”. 

Regra geral, também fica evidente um grande desconhecimento do que são os cuidados de saúde primários, as Unidades de Saúde Familiar (USF) e do que têm conseguido alcançar para a saúde em Portugal

Quanto ao papel essencial dos cuidados de saúde primários, na abordagem da atual pandemia, ficaram provadas a grande plasticidade e capacidade de resposta das equipas nos centros de saúde com 97% dos casos de COVID-19 a serem aí assumidos e tratados, milhões de casos suspeitos abordados e o sucesso à escala mundial que conseguiram obter na vacinação contra a COVID-19 em Portugal. Obviamente, problemas complexos, como este da procura inadequada dos serviços de urgência, têm causas igualmente complexas e multifatoriais, como tem sido evidenciado nos estudos e relatórios sobre a temática, estudos esses que também apontam para a necessidade de respostas integradas e multissetoriais.

Este artigo, no entanto e felizmente, vai um pouco mais além e levanta outras razões para essa crise: falta de recursos humanos, envelhecimento dos quadros, falta de uma especialidade de medicina de urgência, a indefinição das carreiras, o excesso de trabalho, baixos salários (razão para êxodo dos profissionais para o setor privado) ou “a intencionalmente pesada máquina burocrática do Estado”.

Estamos aqui alinhados com a direção do Colégio de Cirurgia Geral, assim como quando dizem que o “SNS deve ser alvo de reforma e modernização. Modernizar não passa pela privatização, como por aí se diz, mas pela mudança nos modelos de gestão”. As Unidades de Saúde Familiar de Modelo B representam esse exemplo de reforma, inovação e modernização do Estado, tendo já demonstrado o seu valor em termos de ganhos em saúde, acessibilidade e satisfação, tanto dos utentes como dos profissionais, conforme se pode comprovar por alguns estudos independentes.

Consideramos que o problema primordial é o grande número de residentes sem equipa de saúde familiar atribuída. No entanto, há, em Portugal, número suficiente de profissionais de saúde para fazer face a este problema e mecanismos para os atrair, como, entre outros, as Unidades de Saúde Familiar Modelo B que já demonstraram anteriormente ter essa capacidade (consulte a nossa comunicação de outubro de 2018). A pergunta a fazer é qual a razão para não haver esta aposta.

Contam para as “crises” das urgências e do SNS:

  • a existência de cotas para a constituição de USF, e em particular USF de Modelo B, o que tem sido um travão ao desenvolvimento dos cuidados de saúde primários e um fator de desmotivação para que novos profissionais se juntem ao SNS;
  • listas de utentes nos centros de saúde demasiado extensas, impossíveis de gerir adequadamente;
  • a falta de respostas do SNS quando há ausências prolongadas de profissionais de saúde nos serviços;
  • a burocracia excessiva;
  • o aumento sem fim das tarefas alocadas aos médicos de família (basicamente tudo o que os outros níveis de cuidados não querem fazer ou é inventado como necessidade);
  • a falta de aposta no fomento da literacia em saúde da população;
  • o modelo de financiamento dos hospitais, nomeadamente das urgências;
  • a ausência de uma “consulta aberta” na generalidade dos hospitais para tratar das situações de agudização dos doentes já seguidos nos mesmos (as urgências servem muitas vezes como válvula de escape para esta lacuna);
  • entre outras.

A USF-AN irá promover uma reunião de consenso com as várias estruturas interessadas na procura conjunta de soluções coordenadas e integradas deste problema vital (é este mesmo o termo certo) para a sociedade portuguesa.

A Direção

*DESTAQUE NA IMPRENSA NACIONAL

PUBLICO