No meu percurso de aprendizagem para ser enfermeiro e cumprimento do plano de estudos da licenciatura em Enfermagem, fui integrado numa Unidade de Saúde familiar (USF) da zona oriental do Porto.
Um mundo desconhecido que me propus descobrir sem quaisquer expectativas porque desconhecido, a não ser pelos referenciais teóricos da intervenção em enfermagem de saúde familiar e dos cuidados de saúde primários, adquiridos teoricamente e que careciam da sua transferência para o contexto de prática clínica supervisionada com o objetivo de promover o seu desenvolvimento e efetiva apropriação.
Tudo foi novo e surpreendente. O modelo organizacional, a metodologia de trabalho, os conceitos praticados, a transparência, o compromisso, a responsabilidade, as relações interpessoais bem como as relações profissionais que, em conjunto, alicerçam este tipo de unidade funcional do ACES.
Denotei, desde logo, diferenças no modelo organizacional destas unidades de saúde, regulado por um estatuto jurídico próprio, do qual decorre um elevado grau de autonomia organizacional e um inovador sistema democrático na tomada de decisão, assim como, a diferenciação do modelo retributivo associado ao desempenho dos seus profissionais e atribuição coletiva de incentivos institucionais dirigidos ao desenvolvimento da unidade.
Com o passar dos dias, com o desenvolvimento de aptidões nesta área, fui-me apercebendo que esta dinâmica funcional, além de ser inovadora, é uma mais valia para a saúde de quem cuidamos, pela abordagem focada na integralidade da pessoa/família e pela cooperação e complementaridade da intervenção da equipa de saúde familiar que corporiza o cerne desta unidade e em que, no respeito pelo princípio de autonomia profissional dos seus profissionais, convergem diferentes saberes e competências para conseguir os melhores ganhos em saúde.
E quando o ambiente em equipa é bom, tudo se torna mais fácil. Fiquei surpreendido com a excelente relação existente entre todos os profissionais. Há amizade, há espírito de equipa, há a sabedoria do trabalhar de forma colaborativa, muita entreajuda, satisfação profissional e até apontamentos de fino humor sem nunca ser descorado o objetivo principal: dar o máximo e o melhor em prol de quem de nós precisa.
Estas são algumas das muitas características da equipa que me acolheu ao longo de dez semanas. Uma equipa sempre disponível, que no meio da sua diversidade converge sob uma verdadeira liderança que me acompanhou ao longo do tempo e me mostrou o que é ser Enfermeiro, na plenitude da palavra.
De um mundo desconhecido transitei satisfeito para um mundo descoberto e novo aos meus olhos de estudante, mas também de cidadão, por aqui ter encontrado o que todos desejamos na saúde, uma resposta acessível, disponível, personalizada e competente para os cuidados de saúde de que necessitamos.
Parti desta USF mais completo em conhecimento, em experiências pedagógicas fantásticas, de apreço, de “apertos de mão”, de agradecimento e reconhecimento da parte de quem cuidámos. Em suma, de coração cheio.
Percebemos o reconhecimento dos utentes para com o seu Enfermeiro de Família. Em muitos dos casos, é como se fosse um membro da família, porque o cuidar vai muito além da vulgaridade que por vezes é-lhe atribuída. É escutar, é aconselhar, é apoiar, é estar presente quando mais precisam, é garantir a resposta, seja na unidade ou no domicílio.
Paralelamente à componente prática, foi-me solicitado o estudo de uma família, aplicando o Modelo Dinâmico de Avaliação e Intervenção Familiar (MDAIF), preconizado pela faculdade, e que nos permitiu alcançar uma visão do verdadeiro sentido da palavra família, que vai para além da soma das suas partes, constituindo-se esta como um sistema complexo, independentemente da sua natureza ou tipo, e em que a abordagem holística e integrativa do cuidado, centrado em cada um dos seus elementos e no seu todo, é decisiva para o sucesso da nossa intervenção.
Atualmente, o conceito de família é mais abrangente do que fora em tempos. Cada vez mais a anormalidade que outrora se atribuía a situações que não se enquadravam com o que era expectável na sociedade, hoje são vistas como “relações” normais, reflexo de uma evolução demográfica, cultural e civilizacional que nos lança permanentemente novos desafios técnico-científicos e éticos e nos interpela, constantemente, a melhor compreender e aceitar empaticamente a pessoa e família de quem cuidamos.
Deste modo, o modelo aplicado foi importante para o desenvolvimento das minhas capacidades nesta área específica, pois considero-o decisivo e integrativo para a promoção da Enfermagem de Saúde Familiar e da Enfermagem em geral, enquanto disciplina e profissão que se distingue e afirma, sobretudo, na promoção do autocuidado e autonomia de quem cuidamos ao longo do ciclo vital.
Foram dez semanas de muito trabalho, mas todas elas contribuíram significativamente para que hoje possa afirmar que estou completamente rendido a esta área de Enfermagem e a este modelo organizacional, melhor prova disso, é a saudade que sinto e a vontade intrínseca de um dia voltar, como profissional, a esta unidade ou outra similar.
Valeu este percurso à descoberta do mundo USF.
Diogo Monteiro
Estudante da Escola Superior de Enfermagem do Porto