A liberdade de escolha encontra-se consagrada na alínea c) do n.º 1 da Base 2 da Lei de Bases da Saúde, nos termos da qual “Todas as pessoas têm direito: […] c) A escolher livremente a entidade prestadora de cuidados de saúde, na medida dos recursos existentes ;”.
No mesmo sentido, o artigo 2. º da Lei n.º 15/2014, de 21 de março, sob a epígrafe “Direito de escolha” refere que “O utente dos serviços de saúde tem direito de escolha dos serviços e prestadores de cuidados de saúde, na medida dos recursos existentes.“; por sua vez, nos termos do n.º 2 do referido artigo 2.º, “O direito à proteção da saúde é exercido tomando em consideração as regras de organização dos serviços de saúde“.
Embora se entenda a suposta benevolência de tal explicitação legal, tal não é isenta de riscos.
Em primeiro lugar, porque o conceito de liberdade nunca poderá ser um imperativo categórico, uma vez que a liberdade de um indivíduo termina onde se inicia a do seu semelhante, e assim sendo, com recursos limitados e necessariamente finitos, será impossível a todo o utente exercer com plenitude o seu direito de liberdade de escolha. Acresce que é generalizada a ausência de uma cultura de rigor de gestão das inscrições de utentes nas UF dos ACeS, o que acaba por perverter o princípio da lei e cria iniquidades no acesso de utentes, que são inscritos de forma imponderada, sem ter em conta a residência atual do utente/agregado a inscrever, a que uma falta crónica de assistentes técnicos nos CSP e a possibilidade de alteração da morada no Cartão de Cidadão sem sujeição a qualquer comprovação por meio de provas, também não vem ajudar e fomenta o “salve-se quem puder”.
Em segundo lugar, e como se viu no controle da pandemia, a exagerada dispersão geográfica de utentes inscritos nas UF leva a que a abordagem clínica e a de vigilância epidemiológica seja feita por entidades distintas, colocando problemas de articulação.
E finalmente, por uma questão de gestão de recursos humanos. Como pode a Administração avaliar as suas necessidades se as projeções são feitas com base em números de residentes, muito discrepantes, por vezes, dos números de pedidos de inscrição?
Acreditar na boa-fé da população que legitimamente procura cuidados de saúde de qualidade ou na capacidade de gestão dos ACeS para promover a equidade no acesso dos utentes, quando os mesmos são por vezes tão díspares, não será a solução mais adequada para começar a resolver as iniquidades de acesso de toda a população a uma equipa de saúde familiar.
Gonçalo Melo
Médico de família, USF Tílias