Um dos focos, desde o início da Reforma dos Cuidados de Saúde Primários (CSP), era o de fomentar a acessibilidade das populações a este nível de prestação de cuidados.
Esta apetência é agora ainda mais valorizada pela Administração em face da debandada de médicos de família, quer por motivo de reforma, quer por abandono ou por não haver vontade dos profissionais em ingressar numa carreira profissional no SNS.
O conceito de acessibilidade tem, contudo, sido utilizado por demasiados intervenientes com demasiada leviandade: os médicos hospitalares responsabilizam os seus colegas médicos de família pelo entupimento das urgências hospitalares e a Administração responsabiliza os médicos de família por não serem acessíveis o suficiente, impondo-lhes trabalho extraordinário em horas incómodas e em dias de descanso para colmatar as supostas falhas.
Esquecem-se, convenientemente, que a acessibilidade também depende das infraestruturas físicas dos locais de prestação de cuidados que não cumprem os mínimos que a própria Administração definiu e publicitou; também depende da capacidade de respostas alternativas a nível dos outros níveis de cuidados que ou não existem, ou são desajustadas ou insuficientes, acabando por voltar a cair tudo na base do sistema com maior acesso – os CSP; e também depende da disponibilidade dos profissionais, enredados em múltiplas tarefas sem qualquer valor incremental no estado de saúde das populações, proporcionando a desmotivação e despersonalização dos profissionais, levando-os à exaustão e ao abandono do sistema. Acresce a rigidez imposta pela DGS e ACSS nas tipologias de consultas complementada pelas imposições das ERA na dinâmica das equipas que deveriam ser autónomas e responsabilizadas. E em todos estes pontos, há um só e mesmo responsável, e não são os profissionais.
Outra confusão frequente e disseminada é encarar-se a acessibilidade como disponibilidade permanente ou quase. Esta última nem sequer é contemplada na carreira do médico de família. Os Cuidados Primários não são serviço de urgência, logo, não têm de atender na hora. Devem sim, dar resposta no próprio dia a qualquer solicitação, sendo que a mesma nem terá de ser obrigatoriamente presencial, e de preferencialmente, deverá ter hora programada. Só assim se conseguem conciliar as solicitações de última hora com as inúmeras restantes atividades com um mínimo de qualidade e sem desgaste dos profissionais.
E porque não uma linha SNS24 reforçada e como acesso único responsável pela triagem, aconselhamento e eventual referenciação para cuidados hospitalares, quando tal se justificasse, para todos os pedidos de contacto durantes os dias não úteis e entre as 20h e as 8h dos dias úteis, dispensando o trabalho extraordinário presencial e as horas incómodas dos profissionais? Existe alguma situação não urgente, de início recente, que não possa aguardar 48 a 72 horas para ser avaliada?
Gonçalo Melo
Médico de família, USF Tílias