Se há algo que ficou claro nos últimos meses é que há de facto demasiados problemas no SNS. A política de recursos humanos no SNS é um deles. O diagnóstico tem sido evidente. O planeamento da formação e fixação dos profissionais com base nas necessidades nacionais e regionais da população ou o desenvolvimento individual e coletivo dos profissionais pouco têm sido considerados. A nível nacional, impera o centralismo do Ministério das Finanças e uma cultura burocrática do Ministério da Saúde focada num processo opaco sujeito a decisões pouco estudadas e arbitrárias.
Depois, tem sido acrescentado à receita, a falta de investimento crónico com a pouca atratibilidade das carreiras profissionais e as desvalorizações sociais, profissionais e remuneratórias têm levado à desmotivação dos profissionais e à fuga de médicos especialistas e de enfermeiros para o estrangeiro ou para o sector privado. Segundo os dados da Ordem dos Médicos, estima-se que até ao final de 2019, possa atingir 400 os médicos que pretendam emigrar. Além da enorme carência por aposentações não respostas, dos assistentes técnicos e dos assistentes operacionais.
Tão claro que levou o primeiro-ministro a ter de admitir isso mesmo na sua mensagem de Natal e declarando o SNS como prioridade das prioridades desta legislatura.
De imediato é publicada em Diário da República de 27.12.19, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 198/2019 com o Plano de Melhoria da Resposta do Serviço Nacional de Saúde (PMR-SNS), representando um real impulso sem precedentes no SNS.
O acréscimo de 942 milhões na dotação para a Saúde representa um crescimento de cerca de 10% face ao programa orçamental anterior. O sinal é claro e a exigência também: até porque deitar dinheiro para cima dos problemas é condição necessária para começar a resolvê-los, mas está bem longe de ser suficiente.
Uma parte do crescimento da dotação visa corrigir défices acumulados com um reforço orçamental de 550M€, destinados à redução do stock de pagamentos em atraso. Com efeito, é assumido que a suborçamentação crónica do SNS, tem inviabilizado quaisquer boas práticas de gestão, contribuindo para a degradação das condições de trabalho e insatisfação dos profissionais.
A alocação de 100M€ para a operacionalização de modelos de pagamento por desempenho para o trabalho hospitalar em Centros de Responsabilidade Integrados (CRI) e 4M€ para regularizar incentivos institucionais devidos de 2018 às Unidades de Saúde Familiar (USF), são excelentes notícias que irão aumentar os níveis de satisfação dos profissionais e utentes.
Por sua vez, há a declaração do reforço da autonomia dos Hospitais EPE, designadamente em matéria de contratações para substituição de todos os profissionais de saúde, estranhando-se o não alargamento desta medida positiva às Unidades Funcionais dos Centros de Saúde.
Os médicos que trabalham nas urgências vão poder receber mais para compensar “a penosidade” e a “carga associada ao trabalho” prestado naqueles serviços. A medida está prevista na proposta do Orçamento de Estado (OE) para 2020 tendo como objetivo reduzir o recurso a empresas prestadoras de serviço, que até outubro de 2019 custaram ao SNS 97,7 milhões de euros.
- Pretende assim o Governo, mesmo antes de ser aprovado o OE de 2020, dar sinais claros de que pretende resolver o problema de suborçamentação do setor. É o primeiro passo positivo que 2020 nos traz sobre o SNS. Todavia não chega. Urge, desde já, implementar medidas reformistas, aliás contidas no Programa do Governo que reforcem:
Uma gestão mais eficiente que passa por qualificar a gestão pública, separando a área executiva/operacional da gestão clínica, implementando-se a autonomia de gestão baseada em modelos inteligentes de contratualização pública e prestação de contas, onde a base seja a co-produção de saúde, em rede onde impera a inteligência colaborativa. Generalizar durante esta legislatura o modelo de USF B a todo o país e implementá-lo também nos Hospitais (CRI). - Reter os profissionais de saúde porque há nas Unidades de Saúde do SNS trabalho interessante com discriminação positiva, baseado num sistema retributivo misto, inseridos numa carreira com hierarquia técnica e pluricategorial com concursos (e mobilidades) em épocas fixas e céleres; envolvimento dos profissionais nas decisões das suas unidades e condições para existir qualidade do não trabalho (tempo para a família, lazer e outras atividades) e o fim do recurso a empresas prestadoras de serviço médicos.
Sem mudanças profundas nas carreiras profissionais para se tornarem atrativas (quer no acesso ágil e célere, progressão técnica, quer nos graus e categorias e quer no conteúdo funcional e quer ainda, no fim do SIADAP introduzindo-se mecanismos de avaliação dos serviços), não vai haver retenção dos profissionais.
Numa área em que as decisões demoram anos a terem impacto, liderança e resiliência política, exigem-se, visto que é realmente necessário reformar o SNS. Todavia, as reformas não se fazem num ano e o dinheiro esfumar-se-á num ápice.
In Diário as beiras
João Rodrigues
Vice-presidente da ARS do Centro
Membro do Conselho Consultivo da USF-AN