Como Se Destrói o Programa Nacional de Vacinação Em Portugal!

COMUNICADO

23.janeiro.2025

Na Saúde, como em muitas áreas, é imprescindível seguir linhas orientadoras consensuais e basear as decisões em evidências. Basicamente, seguir o que se provou que resulta e evitar o que se sabe que não resultou. Neste sentido, a opção por promover e criar as melhores condições para a continuidade do Programa Nacional de Vacinação (PNV) nas unidades dos Cuidados de Saúde Primários (CSP) é uma decisão baseada em evidências e naquilo que tem tido bons resultados. O PNV surge numa rede de vacinação baseada nos CSP, sendo o programa mais antigo e mais custo-efetivo de todos os programas nacionais, solidamente implantado no terreno desde 1965, alicerçado no empenho mantido dos profissionais dos CSP e na confiança da população. O PNV resultou numa significativa redução da morbilidade e da mortalidade causadas por doenças infeciosas evitáveis pela vacinação, traduzindo-se na obtenção de importantes ganhos em saúde. Assim, qual a fundamentação técnica para mais uma vez se impulsionar uma alteração de paradigma na estratégia vacinal nacional, quando a mesma é uma das melhores do mundo?

A USF-AN vem manifestar a sua preocupação com a decisão do Ministério da Saúde de possibilitar a deslocalização da administração da vacina antitetânica/diftérica (Td) e da vacina pneumocócica  para as farmácias comunitárias, enquanto medida que vai continuar a descapitalizar o Serviço Nacional de Saúde (SNS), a desviar verbas públicas para o setor privado e que, uma vez mais,  desconsidera os resultados muito positivos alcançados na promoção de elevadas taxas de cobertura vacinal em Portugal, amplamente reconhecidos e elogiados por organismos internacionais, conforme explanado pela OCDE (Health at a Glance, 2024).

Mais uma ação que fragiliza o SNS!

Alterar o que funciona bem e tem os resultados pretendidos não faz qualquer sentido. Abrir mais portas nem sempre quer dizer maior acessibilidade, como o demonstrou a estratégia atual para a doença aguda e a vacinação sazonal contra a gripe e a Covid19. Nesta última, no grupo – população de 85 ou mais anos, que foi só vacinada nos centros de saúde do SNS – em que se concentrou a vacinação, melhorou a logística e se apostou nas equipas que estão no terreno, com provas dadas, ultrapassaram-se as metas e em tempo útil (logo no final de novembro). Estes dados são particularmente relevantes quando os comparamos com os dados do processo vacinal desenvolvido na época homóloga 2023-2024, em que o processo vacinal nesta faixa etária estava também disponível nas farmácias comunitárias. Nos restantes grupos populacionais em que se apostou, acima de tudo, nas farmácias (melhor aprovisionamento, início mais cedo, visitas de marketing da Ministra da Saúde) dispersaram-se meios, não se apurou a logística dos CSP e seguiram-se estratégias que já tinham falhado no ano passado, não se melhoraram significativamente e em tempo útil os resultados.

Assim, de forma inequívoca e em apenas um ano, está demonstrada a capacidade real dos centros de saúde em vacinar os utentes de forma célere e efetiva, corroborando o papel central destes da vacinação bem como no cumprimento do PNV, com todos os benefícios que dele emergem.

A atual campanha de vacinação sazonal contra a gripe e a Covid19 por parte dos CSP, quando comparada com a do ano transato centrada nas farmácias volta a evidenciar a excelente resposta desenvolvida pelos CSP, isto é, o processo vacinal centrado nas USF (Unidades de Saúde Familiar), UCSP (Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados) e UCC (Unidades de Cuidados na Comunidade). Atendendo aos dados apresentados no último relatório apresentado pela DGS, verifica-se que o SNS está agora e continuadamente nos últimos meses  a vacinar em maior número, em termos de variação, comparativamente às farmácias comunitárias, assim como a faixa etária dos 85 ou mais anos, em que o processo vacinal é exclusivo dos CSP, apresenta a maior cobertura vacinal quer para a Covid19 (64,9%), quer para a Gripe (84,49%). Aliás, as farmácias nunca poderiam fazer o que foi feito pelos CSP, indo a casa das pessoas vaciná-las, quando estas não se podiam deslocar ao centro de saúde. Isto mesmo foi reconhecido pela própria DGS quando só destacou o processo vacinal neste grupo exclusivamente vacinado nos centros de saúde. Podemos, portanto, concluir uma vez mais que os CSP são, e devem continuar a ser, o pilar central na vacinação contribuindo para uma gestão mais eficaz das doenças sazonais.

 

A vacinação nas farmácias comunitárias tem um custo para o Estado, com custos adicionais por dose administrada. Como se sabe, as farmácias comunitárias recebem uma remuneração de 3 euros por cada vacina administrada contra a COVID-19 e a gripe.  À data de hoje e tendo em conta o número total de doses administradas o valor gasto com as farmácias neste processo corresponde a aproximadamente a 6 milhões e meio de euros (6 454 053), em contraste com a vacinação realizada nos Cuidados de Saúde Primários (CSP), conduzida por profissionais de saúde já integrados no SNS, utilizando infraestruturas e recursos existentes e sem gastos adicionais.

Reforçamos, também, a mensagem de que a vacinação nos CSP permite um acompanhamento mais integrado do utente, facilitando o registo e monitorização das vacinas administradas, bem como a gestão de eventuais reações adversas. Adicionalmente e não menos importante, o papel central das equipas de saúde familiar, fundamentais no acompanhamento clínico e educativo dos utentes, é diluído no modelo de vacinação proposto pela tutela, podendo comprometer a qualidade e segurança do processo vacinal.

Perante esta decisão, a USF-AN exige uma justificação clara e fundamentada do Ministério da Saúde sobre os motivos que levam a continuar a apostar na transferência de atividades da responsabilidade dos CSP e, portanto, do SNS, para o setor privado, sem a devida justificação técnica fundamentada, desviando recursos financeiros do SNS, fragilizando-o. É imperativo compreender os critérios que sustentam esta medida, agora com a administração das vacinas antitetânica/diftérica e pneumocócica a passar para as farmácias comunitárias, quando as evidências apontam na direção oposta. Tem de se avaliar os potenciais impactos negativos na saúde pública e na equidade do acesso aos cuidados de saúde.

A USF-AN continuará a defender o SNS como o modelo central de vacinação em Portugal, onde a proximidade, a organização e o rigor técnico garantem resultados superiores e maior confiança por parte da população. Acreditamos que o futuro da saúde pública em Portugal depende do fortalecimento dos Cuidados de Saúde Primários e do investimento nos seus profissionais.

Apelamos ao Ministério da Saúde para que reavalie esta decisão e promova um diálogo construtivo com os profissionais de saúde, visando sempre o melhor interesse da população portuguesa.

O dinheiro que foi gasto na vacinação sazonal nas farmácias este ano e no ano passado, e que vai continuar a ser gasto, configura, portanto, uma despesa fixa, que poderia ser utilizado para contratar, remunerando melhor, os profissionais dos CSP. A verba que está a ser gasta com a vacinação nas farmácias poderia pagar o vencimento anual dos enfermeiros que faltam nas USF, que assim poderiam fazer também outras atividades, para além de melhorar a vacinação.

A falácia de abrir mais portas, como se quer fazer com as farmácias, como se disse, não é sinónimo de maior acessibilidade. Existem mais de 1.200 locais de vacinação no SNS e mais de 8.800 enfermeiros. Tem sido o necessário para a vacinação! Abrir postos adicionais nas farmácias é uma falsa melhoria e, como se está a ver, não resolve o problema. O problema que se tem de melhorar é de organização, é de logística. Aposte-se verdadeiramente nos CSP e aparecerão ainda melhores resultados.

A USF-AN defenderá sempre politicas de saúde baseadas em evidência que contribuam para um SNS público e robusto, no maior interesse dos utentes e dos profissionais.

 

A Direção

*comunicado em