Greve dos Médicos, mas uma luta de toda a Saúde

COMUNICADO

23.julho.2024

A USF-AN marcou presença na manifestação de Lisboa que decorreu hoje, dia 23 de julho de 2024 pelas 11h00 frente ao Hospital de Santa Maria como parte do protesto que acompanha a greve de médicos decretada pela FNAM.

Estivemos a representar todos os profissionais da USF-AN (Associação Nacional de USF) – uma associação multiprofissional, com médicos, enfermeiros e secretários clínicos, mas também outras profissões da saúde. E fizemo-lo porque concordamos com as razões que levaram à sua convocatória e consideramos que são desafios globais, de toda a Saúde.

Aderimos também para agradecer à FNAM o seu empenho na defesa dos médicos e do SNS, e em reconhecimento do papel da FNAM na criação das USF (unidades de saúde familiar). Sem o acordo inicial da FNAM, a única estrutura sindical que aceitou, num primeiro momento, possibilitar que se tentasse algo novo na Saúde e na Função Pública, nunca teria sido possível a criação das USF como unidades autónomas técnica e funcionalmente, com equipas autosselecionadas e onde se praticam a eleição das lideranças técnicas e de coordenação, assim como uma gestão participativa. Este pode ser um modelo a seguir na Saúde e em toda a Função Pública. E porquê? Este modelo de organização tem tido bons resultados em Portugal, aumenta os níveis de satisfação de profissionais e utentes e continua a funcionar e bem mesmo quando se instala o caos acima. E é disso que estamos a falar, e uma das razões para apoiar esta greve hoje: com a generalização das ULS – Unidades Locais de Saúde instalou-se o caos no aprovisionamento, nos recursos humanos, nos vencimentos (ainda não há um profissional dos cuidados de Saúde Primários – CSP- a ser pago corretamente, 7 meses depois do início das ULS), na gestão do dia-a-dia. As ingerências são constantes, as tentativas de subjugar uma cultura que tem funcionado e dado provas são permanentes, a falta de preparação de toda a estrutura da ULS para lidar com os CSP é gritante, assim como a falta de vontade para se preparar, para aprender, para fazer com que as coisas continuem a acontecer e se satisfaçam as necessidades de saúde da população.

Portanto, estamos nesta greve para reafirmar que sem meios, sem instalações, sem financiamento, mas, principalmente, sem profissionais, profissionais satisfeitos, remunerados adequadamente, descansados, disponíveis, não há SNS possível. E o SNS foi o caminho que escolhemos há 50 anos e que tem conseguido que Portugal surpreenda e tenha resultados muito acima daquilo que o seu enquadramento socioeconómico faria supor. As alternativas para onde alguns nos querem levar não conseguiram demonstrar que são melhores opções. No plano de emergência da saúde disse-se que se vai esgotar primeiro a capacidade do SNS e depois avançar para as alternativas no setor social e privado orientado para o lucro. Mas esgotar não pode querer significar exaurir, vencer pelo cansaço, levar ao tapete… Por isso esta greve é necessária. Como alerta!

Um exemplo do que não pode acontecer é a situação do recrutamento de novos médicos de família. Saíram em março 2024 quatro centenas de médicos dos internatos de medicina geral e familiar e que são agora médicos de família e há muitas outras centenas que veriam com bons olhos entrar para o SNS. No entanto, decidiu-se mudar os moldes do concurso de recrutamento, que até tinha funcionado bem no ano passado, não fazendo um concurso nacional com regras simples e que se concluiu, no ano passado, ainda em junho. Decidiu-se, à semelhança dos concursos hospitalares, fazer concursos por ULS para os médicos de família. E assim, vamos já em julho e não abriu ainda na maior parte das ULS. E os que abriram, estão a abrir com critérios diferentes, caso a caso, e exigências que vão fazer demorar todo o processo e abrir porta a litígios e mais atrasos. Estes concursos vão, ainda, afastar durante semanas, e em plena época de férias, dezenas de médicos de família para serem júris (alguns dos concursos têm até entrevistas…). Paralelamente, acabaram-se os concursos de mobilidade que permitiam que médicos se pudessem deslocar durante uns anos para zonas de maior necessidade porque tinham a perspetiva de poder regressar ao seu local de eleição mais tarde. Ainda, não abriram vagas no Porto, onde já existe carência de nove médicos de família, podendo essa carência chegar aos 43 no final do ano com as aposentações.

Neste momento, faltam, a nível nacional, 723 médicos de família, mas no final do ano com as aposentações podem chegar aos 1229.

Para agravar todo este cenário, estes médicos de família recém-especialistas estão há meses a trabalhar como especialistas e a receber como internos. Muitos já desistiram e saíram do SNS.

Paralelamente, não se está a fazer nada para reter mais uns anos os que já têm idade para se aposentar. Por exemplo, abriram agora concursos para o topo da carreira, mas novamente por ULS e com uma ou duas vagas por ULS. Mais uma vez, vão-se deslocar dezenas de médicos para serem júris destes concursos durante semanas a meses para no final providenciar 30 ou 40 postos no topo da carreira, que depois irão estar em litígio vários anos.

Se não se conseguir atrair e fixar os novos médicos de família (e das outras especialidades) e reter os que podem sair mais uns anos, vamos ter um problema muito mais grave no final deste ano. E o SNS ficará, então sim, esgotado.

Portanto, destacamos de todas as reivindicações da FNAM as seguintes:

  1. “Redimensionamento da lista de utentes dos Médicos de Família” (com regras iguais para toda a equipa de saúde familiar);
  2. “Autonomização do regime jurídico de organização e funcionamento das USF num diploma próprio com revogação imediata do Índice de Desempenho da Equipa e do Índice de Complexidade do Utente, com repristinação das atividades específicas e da ponderação da lista por grupo etário”;
  3. “Simplificação do processo de contratualização dos Cuidados de Saúde Primários, com a atribuição efetiva de incentivos institucionais e respeito pela autonomia das USF”;
  4. “Retirada da nomenclatura de “médico assistente” do Plano de Emergência e Transformação na Saúde, uma vez que apenas um especialista em Medicina Geral e Familiar pode ser responsável por um ficheiro de utente”;
  5. “Entrada em funções como definido na Lei das Equipas Nacionais de Acompanhamento relativamente às Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados e novas USF” (estas equipas);
  6. “Cumprimento da Lei no que respeita a carteira adicional de utentes, em incumprimento em várias Unidades Locais de Saúde (ULS)”;
  7. “Suspensão da “limpeza” dos ficheiros médicos, realizada pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), de forma a manter a universalidade da prestação de cuidados no Serviço Nacional de Saúde”.

Adicionalmente, chamamos à atenção para a necessidade de reformular o modelo atual das Unidades Locais de Saúde (ULS) com a evolução para um modelo com autonomia para os Cuidados de Saúde Primários (CSP) que lhe permitam organizar os cuidados de saúde à população segundo o melhor interesse desta e com estruturas de apoio adequadas, o que não se verifica atualmente.

A generalização das Unidades Locais de Saúde (ULS), neste seu sétimo mês de implementação, já não oferece dúvidas sobre o seu efeito nos cuidados de saúde primários (CSP): a desestruturação dos serviços que, consensualmente, funcionavam bem na Saúde em Portugal – as Unidades de Saúde Familiar (USF)!

Se formos bem-sucedidos nesta luta, ficaremos mais perto do nosso objetivo, comum a todas as profissões da saúde, a otimização do Serviço Nacional de Saúde.

Juntos somos mais fortes!

A Direção

*Comunicado em