COMUNICADO USF-AN
30.dezembro.2021
COVID-19: 2022 não pode ter a mesma resposta de 2020 ou 2021
Estudo da USF-AN revela o enorme impacto que o apoio às unidades e aos serviços criados no âmbito da pandemia por COVID-19 tem tido no atendimento às pessoas que recorrem aos cuidados de saúde primários
Agora que temos 89,4% da população vacinada com duas doses e 27,6% com três doses, 1.169.841 de recuperados e 114.541 casos ativos de COVID-19, depois de toda a aprendizagem já alcançada, não podemos ter a mesma resposta à COVID-19 que demos em 2020 ou 2021.
A Associação Nacional de Unidades de Saúde Familiar (USF-AN) auscultou, entre os dias 10 e 14 de dezembro de 2021 e através de um questionário online, os seus associados, sobre a forma como estão a ser geridas, em cada Agrupamento de Centros de Saúde (ACeS), as atividades no âmbito da COVID-19 e qual o impacto que estas têm provocado na sua atividade. Obtiveram-se 153 respostas que representam a situação em 43 Agrupamentos de Centros de Saúde (78% do total do país).
Das 153 Unidades de Saúde Familiar (USF) respondentes, apenas uma afirma que as unidades e os serviços criados no âmbito da pandemia por COVID-19 são asseguradas sem recurso aos profissionais dos quadros dos ACeS, em 56% dos casos esses serviços são assegurados exclusivamente por profissionais dos quadros dos ACeS e nos restantes 43% por equipas mistas de profissionais dos quadros e profissionais contratados.
As USF, portanto, não se demitiram da sua função de serviço público e integraram as necessidades decorrentes da estratégia do Ministério da Saúde/DGS nas funções já prestadas à população.
Para além disto, verificamos que 93% das USF dão apoio a mais do que uma das unidades e dos serviços criados no âmbito da pandemia por COVID-19 e que este apoio é assegurado no horário que estava destinado aos serviços da USF aos seus utentes. De entre estas novas unidades/serviços encontram-se os Centros de Vacinação COVID-19, as Áreas Dedicadas para Doentes Respiratórios (ADR), a vacinação nas Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI), a vacinação no domicílio dos utentes com dependência da USF, a Unidade de Saúde Pública, o apoio a surtos em Lares, a atividade relacionada com as estruturas de retaguarda COVID e outras como Testes nas ERPI e Linha Telefónica de Apoio ao COVID. Foi, ainda, referido que todas as USF deram apoio desde o início da pandemia à plataforma TRACE COVID (ferramenta de acompanhamento COVID-19, contact tracking a doentes em vigilância e auto-cuidados).
É, portanto, notória a dispersão dos profissionais dos cuidados de saúde primários por múltiplos novos serviços. Na sequência deste apoio, passamos a ter equipas de saúde familiar desfalcadas, prejudicando desta forma a prestação de cuidados de saúde à população.
Vimos que 99% das USF respondentes referem que, nos últimos seis meses, tiveram até 80% dos seus enfermeiros e até 60% dos seus médicos de família e secretários clínicos diariamente mobilizados para o atendimento relacionado com a COVID-19, muitas vezes de um dia para o outro, com toda a perturbação que tal acarreta para as atividades previamente agendadas.
Perante este cenário, as equipas quando questionadas sobre o impacto na, sua organização diária, destas ausências para prestarem apoio nas unidades e nos serviços criados no âmbito da pandemia por COVID-19, 99% das unidades referem que os profissionais estão cansados ou em burnout, 91% assumem uma efetiva “redução da resposta à Carteira Básica de Serviços”, ou seja, não conseguem assegurar o que deveriam assegurar em termos clínicos aos seus utentes, 54% referem conflitos dentro da equipa, 57% referem conflitos entre a USF e o Agrupamento de Centros de Saúde e 69% conflitos com os utentes. (consulte todos os resultados da auscultação AQUI)
É relevante referir igualmente que, nos cuidados de saúde primários, existem 524 locais na comunidade que atendem presencialmente doentes respiratórios: 94 são Áreas Dedicadas para Doentes Respiratórios (ADR), 262 são em USF, 117 são em Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP) e os restantes 51 são outros tipos (SAP/AC/outros).
Ou seja, há centenas de serviços de proximidade nos CSP para atendimento dos doentes com patologia aguda respiratória/suspeitos de COVID-19/doentes com COVID-19, o que tem, seguramente, contribuído para a diminuição dos atendimentos nas urgências hospitalares. Esta diminuição está bem expressa nos dados disponíveis no Portal da Transparência do SNS.
Não podemos, hoje, querer continuar a resolver o problema fazendo exatamente o mesmo que temos feito desde o início da Pandemia. A estratégia tem de mudar, tem de se adaptar à nova realidade e preparar um futuro melhor.
É fundamental assegurar que os cuidados de saúde primários possam retomar a sua atividade normal pré-pandémica, assegurando-se condições para poderem prestar a assistência que os seus utentes necessitam, relacionada com a COVID-19 e/ou fora do âmbito desta.
Para tal, são necessárias soluções de acordo com a realidade atual, baseada em avaliações relevantes e que não criem outros problemas ainda maiores.
É urgente:
- Terminar com as Áreas Dedicadas para Doentes Respiratórios (ADR) na comunidade.
- Com integração do atendimento dos doentes respiratórios no circuito de doentes agudos que sempre existiram nos cuidados de saúde primários e que já hoje representam a maioria da resposta existente para estes doentes;
- Terminar com a vigilância feita pelos profissionais dos cuidados de saúde primários no TRACE-COVID;
- Reduzir os dias de isolamento de acordo com a evidência já existente e desburocratizar o isolamento proposto pela DGS assim como o certificado de incapacidade temporária para o trabalho para indivíduos infetados, que deve ser gerado automaticamente como já acontece com a declaração provisória de isolamento profilático;
- Constituir equipas próprias para dar resposta nos Centros de Vacinação COVID (CVC) com núcleo de profissionais exclusivos;
- Qualificar a resposta do SNS24:
- Com a internalização da gestão do SNS24 e criação de call centers por áreas metropolitanas e distritos (em função da densidade populacional), com equipas próprias do Ministério da Saúde e contratos com empresas para compensação de picos de procura;
- Com a revisão dos algoritmos com participação efetiva dos cuidados de saúde primários;
- Dar uma resposta efetiva e humanizada aos utentes sem equipa de saúde familiar atribuída:
- Com a promoção da abertura de mais USF através do fim das cotas para a sua abertura e criando fatores de atração dos profissionais que estão no mercado de trabalho, fora do SNS;
- Organizando o atendimento provisório desses utentes nos Agrupamentos de Centros de Saúde, contratualizando esses serviços com as USF e UCSP no sistema de carteiras adicionais.
- Investir na literacia em saúde, fundamental para a capacitação e responsabilização da população de modo a usar corretamente os serviços de saúde. Esta medida pode passar pela inclusão dos media ao serviço público, transmitindo mensagens chave com orientações inequívocas (traduzindo as normas da DGS para a população em geral).
Estamos convictos de que estas medidas potenciarão uma base estável de acompanhamento e monitorização da COVID-19 sem interferir com a atividade normal das Unidades Funcionais dos ACeS.
A USF-AN está, como sempre, disponível para discutir estas e outras matérias.
A Direção
*DESTAQUES NA IMPRENSA NACIONAL