Não podemos assobiar para o lado ou fazer como a avestruz. Os problemas estão à vista de todos, como nos demonstram os resultados da oitava edição do estudo «O Momento Atual da Reforma dos Cuidados de Saúde Primários em Portugal», o qual teve um número recorde de respondentes (71,4%), indicando a capacidade participativa das USF.
Falando dos problemas, constata-se que, na sua quase totalidade, estão centrados no défice de governação institucional (cadeia hierárquica): gestão económico-financeira; manutenção as instalações, mobiliário, equipamento, higiene, limpeza, climatização; logística e provisionamento; sistema de informação e contratação de recursos humanos.
Em suma, ao longo destes 11 anos de reforma, continua elevada a insatisfação na perceção da falta de apoio e da ausência de respostas atempadas, por parte dos agrupamentos de centros de saúde (ACeS) e, principalmente, das ARS – administrações regionais de Saúde (atingindo 69,51%), aos problemas que dependem da sua intervenção.
Das duas, uma: ou a reforma do Estado na implementação dos ACeS é para levar por diante ou é para esquecer.
Se é para prosseguir (ainda queremos acreditar que sim!), então, ao fim de dois anos com um novo ciclo político, é tempo de maior clareza nas decisões reformistas das ARS e dos ACeS.
Não é admissível, ao fim deste tempo, continuarmos diariamente a ouvir expressões como estas:
- Não temos orçamento para comprar uma impressora. Mas há dinheiro cativado!
- Estamos a aguardar a decisão da ACSS (Administração Central do Sistema de Saúde) ou das Finanças…
- A Lei não nos permite isto, aquilo e aqueloutro.
- Está no departamento X ou Y da ARS para posterior apreciação, por parte do Conselho Directivo (da ARS).
- Dois anos para reparar infiltrações em tetos de gabinetes, etc., etc.
Tudo isto a arrastar-se nas mais variadas situações, tais como os problemas ligados aos sistemas de informação sem definição dos termos de referência, com uma interoperabilidade muito baixa e quebras constantes (78,5% das USF ficou mais do que dez vezes sem sistema!), aprovisionamento de material sem critérios definidos nem monitorização pública; e, sobretudo, a nível dos recursos humanos (RH), em que continua a faltar sentido estratégico na política de recrutamento de RH (no que diz respeito a coesão e a resultados) e na gestão previsional efetiva (na prevenção das crises), apostando no reforço dos recursos humanos qualificados nos CSP, alocados a uma carteira de serviços tipificada nacionalmente.
As ARS não se reformam por si próprias. Logo, não estão em condições de conduzir um processo tão complexo como a constituição dos ACeS, nem aquilo que eles devem corporizar, enquanto novos paradigmas de governação descentralizada, responsável e participada.
A Reforma dos CSP propõe um modelo alternativo e mesmo de combate a este modelo vertical e de sentido único, em que a aposta é na mudança de comportamento dos dirigentes, passando a serem capazes de desempenhar as suas funções de servidores e de supervisores das unidades funcionais dos ACeS.
Em resumo, há uma contradição que urge ultrapassar entre o modelo burocrático das estruturas formais (ACSS, SPMS, ARS e ACeS) e a moderna Administração Pública (USF), com uma governação da Saúde centrada na responsabilização pelos resultados, em que predomina a discriminação positiva, a transparência e a prestação de contas.
Contem connosco!
João Rodrigues
Presidente da USF-AN
Bernardo Vilas Boas
Ex-presidente da USF-AN
Membro do Conselho Consultivo