Esclarecimento da USF-AN sobre os resultados dos estudos MOMENTO ATUAL e
REAVALIA-ULS
COMUNICADO
31.janeiro.2025
A Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar (USF-AN) vem, por este meio, esclarecer sobre a interpretação errónea dos resultados dos estudos Momento atual e REAVALIA-ULS sobre o modelo ULS – Unidades Locais de Saúde, levada a cabo pelo comentador Francisco Goiana da Silva na SIC Notícias no dia 27 de janeiro, pelas 21h20.
Convém começar por dizer que Francisco Goiana da Silva foi corresponsável pela generalização do modelo ULS quando estava na Direção-Executiva do SNS, sem nunca se preocupar com as avaliações, negativas, que existiam deste modelo e confundindo sempre a integração de cuidados, com que todos concordamos, com este modelo ULS que apenas tem uma administração comum para os vários tipos de cuidados.
Por outro lado, como o próprio frisa no início da peça a propósito da Direção-Executiva do SNS (DE SNS), tem de se abordar o problema da legitimidade das decisões. Diz Francisco Goiana da Silva que o atual governo não tem legitimidade para acabar com a DE SNS porque isso não estava nem no programa eleitoral da AD, nem no do governo. No entanto, a generalização das ULS, uma medida do calibre da DE SNS, não estava nem no programa do PS, nem do Governo anterior, mas isso não o impediu de contribuir, quando estava na DE SNS, para essa generalização das ULS. O que estava no programa do PS dessa altura eram os sistemas locais de saúde, que é outra coisa. Mudam-se os temas, muda-se a argumentação.
De qualquer modo, queremos deixar claro que consideramos que a DE SNS faz sentido, mas tem de ter recursos e enquadramento para poder atuar e, de facto, gerir o SNS.
Em primeiro lugar, é fundamental distinguir os dois estudos citados:
- O estudo “O Momento Atual da Reforma dos Cuidados de Saúde Primários em Portugal” (Momento Atual) da USF-AN, dirigido a coordenadores de USF, que aborda diversos aspetos da realidade dos CSP e levado a cabo pela USF-AN anualmente há 14 anos; e
- O estudo REAVALIA-ULS, realizado pelo Grupo de Estudos de Gestão em Saúde da APMGF (Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar), que avaliou a perceção dos médicos de família sobre o impacto das Unidades Locais de Saúde um ano após a sua implementação.
A confusão entre ambos os estudos, bem como a distorção dos seus resultados, contribuiu para uma mensagem enganadora, dando a entender que existe uma aceitação do modelo das ULS por parte dos médicos de família. Isto não corresponde à verdade, como se consegue depreender rapidamente pela leitura dos dois estudos.
Francisco Goiana da Silva não só interpretou erroneamente os dados, como construiu uma narrativa favorável ao atual modelo de gestão do SNS tentando sustentá-la em dados parcelares e interpretando-os conforme mais lhe convinha. O comentador leu a referência ao estudo REAVALIA-ULS num artigo de jornal, procurou-o na internet e acabou por confundir os resultados com os do estudo Momento Atual, misturando indevidamente dados e comprometendo a sua credibilidade. Apresentou o estudo Momento Atual como sendo de 2025, quando na realidade corresponde a dados recolhidos em 2023/2024. Pelo contrário, o estudo REAVALIA-ULS, esse sim, corresponde a 2025.
Além disso, manipulou os resultados, como o próprio diz, de forma contrária ao óbvio, ignorando as evidências claras de insatisfação dos médicos de família e sugerindo, de forma enganadora, que existia uma aceitação generalizada do modelo das ULS. Esta deturpação, difundida num canal de informação nacional, contribui para induzir em erro tanto os decisores políticos como a opinião pública. É grave!
O comentador também aproveitou a popularidade de alguns diretores clínicos – Médicos de Família efetivamente reconhecidos pelos seus pares – para sugerir que a satisfação com esses diretores clínicos se traduz numa aceitação do modelo das ULS, o que não corresponde à realidade demonstrada pelos dados. Muitos destes diretores clínicos já vinham do modelo anterior e os níveis de satisfação eram igualmente altos.
Refere, ainda, Francisco Goiana da Silva que tem que se dar tempo ao modelo, quando a verdade é que a insatisfação entre os médicos de família não só persiste, como se agravou de um ano para o outro.
Um dos exemplos mais flagrantes desta deturpação prende-se com a referência à ULS do Baixo Alentejo, que foi apresentada como tendo 100% de satisfação. No entanto, esta ULS teve a resposta de apenas um dos coordenadores desta ULS (como está lembrado no próprio relatório do estudo, ver página 56), o que torna a chamada de atenção, para este dado isolado, irrelevante e enganadora. Também fala que as ULS mais antigas têm satisfação maiores e escolhe esta última ULS e a de Matosinhos, mas ignora as outras 6, também anteriores à generalização, em que a avaliação não é tão concordante com a mensagem que queria passar. Quanto à satisfação com a ULS Almada / Seixal, ela é acompanhada pela satisfação muito alta, a mais alta de todas, do Conselho de Administração e do Diretor Clínico para os cuidados de saúde primários, ou seja, está relacionada com as pessoas e não com o modelo (faz sentido lembrar que foram demitidos, entretanto sem nunca se conhecerem as razões).
O que dizem realmente os dados do Momento Atual?
A autonomia das USF está comprometida, com 54,5% das unidades a considerar que a ULS respetiva não a respeita. A insatisfação com a negociação do plano de ação aumentou ligeiramente face a 2022/23, refletindo fragilidades na relação entre as USF e as ULS. Nos recursos humanos, apesar de melhorias desde 2020/21, continua a faltar pelo menos um profissional de cada grupo por unidade, sendo os médicos os mais afetados. Em 61,2% das USF, o trabalho extra não é compensado e 82,3% das unidades enfrentaram ausências prolongadas de profissionais no último ano sem a devida substituição.
A segurança dos profissionais continua uma preocupação crítica, com 79,3% das USF a reportarem episódios de violência. A violência psicológica (63,9%) e o assédio (49,9%) aumentaram em relação aos anos anteriores. Tomando como exemplo o Plano de Prevenção da Violência no Setor da Saúde, este foi perturbado pelo fim das ARS (Administrações Regionais de Saúde) e ACES (Agrupamentos de Centros de Saúde) e a deficiente passagem de responsabilidades para as ULS. O que se passou com este programa aconteceu em muitas outras áreas, revelando um processo de implementação das ULS que, apesar de ter sido anunciado quase um ano e meio antes da sua efetivação, foi feito sem os devidos cuidados pelo Diretor-Executivo do SNS, Fernando Araújo e Francisco Goiana da Silva. O processo de generalização das ULS iniciado em 2022 não foi acompanhado de uma adaptação adequada dos procedimentos nacionais, evidenciando fragilidades organizacionais e estruturais que impactam a qualidade dos cuidados prestados e penalizam acima de tudo os cuidados de saúde primários (CSP) e a população.
O que dizem realmente os dados do REAVALIA-ULS?
Os números são claros:
- Apenas 16,15% dos médicos de família manifestam concordância com a continuação do modelo ULS.
- No caso das ULS Universitárias, essa percentagem é ainda mais baixa: 8,09%.
- Insucesso na integração de cuidados: O objetivo central da criação das ULS — a integração efetiva de cuidados não se concretizou, com perceções negativas crescentes em áreas como referenciações, acesso a MCDT, e implementação de um processo clínico único.
- Perda de autonomia das USF: com uma avaliação negativa ou muito negativa do envolvimento organizacional de 73,7% e uma perceção negativa sobre a autonomia das USF de 76,5%.
- Escalada do descontentamento: O pouco otimismo observado em 2023 deu lugar a uma rejeição inequívoca do modelo, traduzida no agravamento da insatisfação em praticamente todas as áreas avaliadas.
Ao invés de reconhecer estes dados objetivos, Francisco Goiana da Silva optou por apresentar uma interpretação subjetiva, sugerindo que a existência de uma pequena percentagem de médicos satisfeitos é um sinal positivo, ignorando que a grande maioria não apoia a continuidade do modelo.
Também, não é a primeira vez que o faz. Em relação ao processo de vacinação sazonal contra a gripe e COVID-19, foi a DE SNS de Fernando Araújo e Francisco Goiana da Silva que orquestrou a passagem para as farmácias comunitárias sem o suporte de evidência necessário e com os resultados negativos que se conhecem. Em todo o processo, os CSP foram desvalorizados e Francisco Goiana da Silva vem afirmar que, antes desta passagem, o sucesso era da disciplina militar da pandemia e dos centros de vacinação. No entanto, esqueceu-se de dizer que os centros de vacinação existiram essencialmente no período da pandemia, não foram implementados, nestes anos, uniformemente em todo o território, e, entretanto, foram desaparecendo e, quando existiam, eram geridos por enfermeiros e médicos de saúde pública dos centros de saúde, as vacinas eram administradas, quase totalmente, por enfermeiros dos centros de saúde, as pessoas eram atendidas por secretários clínicos dos centros de saúde e quem estava de prevenção no local para o caso de alguma reação indesejada eram os médicos de família dos centros de saúde.
A realidade sobre as ULS
Estes estudos demonstram que o modelo das ULS não só falhou na prometida integração de cuidados, como também trouxe consigo um agravamento da burocracia, dificuldades na contratação de médicos e perda de autonomia das unidades de cuidados de saúde primários.
A USF-AN não pode aceitar que a insatisfação da maioria dos médicos de família seja desvalorizada ou manipulada para sustentar uma narrativa favorável ao atual modelo de gestão do SNS.
Acreditamos que o debate sobre as ULS deve ser feito com base em dados rigorosos e em respeito pela realidade dos profissionais e dos utentes. A população tem o direito de saber a verdade sobre os desafios que enfrentam os cuidados de saúde primários em Portugal.
A USF-AN solicita à SIC Notícias que corrija esta informação e assegure que as vozes dos profissionais de saúde sejam representadas de forma justa e transparente.
USF-AN – Pela verdade e pela qualidade nos Cuidados de Saúde Primários
(esta resposta foi trabalhada pela USF-AN e os autores do estudo REAVALIA-ULS)
A Direção