Governação Clínica e Literacia em Saúde – O SNS do futuro

“A governação clínica é por excelência um processo de integração de capacidades e competências visando obter melhores resultados para os doentes…” (Constantino Sakellarides)

É inegável a melhoria dos cuidados de saúde verificada em Portugal desde da criação do SNS. A evolução e inovação das estruturas de cuidados, das tecnologias de saúde e das próprias condições sociais da população foram essenciais para essa melhoria.

Existem, no entanto, mais duas intervenções, ainda não aproveitadas na sua totalidade, com capacidade em proporcionar ganhos em saúde e ganhos potenciais em saúde, capazes de elevar a outro nível a saúde da população, a Governação Clínica e a Literacia em Saúde.

A governação clínica deve começar a nível individual. É necessário consolidar uma cultura de melhoria contínua com verificação periódica da prática clínica, garantindo que se está a utilizar a melhor evidência disponível.

Deve ser trabalhada em equipa,  de forma a diminuir a variabilidade indesejável, através da discussão de casos clínicos, auditorias, formação, criação de procedimentos e apoiada ao nível do ACES através do Conselho Clínico e de Saúde, garantindo a sua execução, com apoio formativo, execução de protocolos e definição de percursos clínicos, auditorias e apoio no fornecimento de dados, num verdadeiro trabalho em rede que potenciem o trabalho de cada unidade e que motivem um ambiente de excelência. Deverá ser orientada a nível regional (ARS) e nacional (DGS), de forma a ser alinhado com as principais necessidade em saúde da população.

Mas, se por um lado a consciencialização dos profissionais de saúde se reveste de importância fulcral para a qualidade do SNS, hoje sabe-se que o cidadão tem também um papel chave na gestão e manutenção da sua saúde. É neste sentido que importa cada vez mais investir na sua literacia.

A Organização Mundial da Saúde estabelece que a “literacia em saúde representa o conhecimento e as competências que determinam a motivação e a capacidade dos indivíduos a terem acesso, compreenderem e usarem informação de modo a promover e a manter a sua saúde”. A literacia em saúde cada vez mais se assume como um conceito fundamental para um papel mais activo por parte dos cidadãos no que se refere às questões de saúde, de cuidados de saúde e à utilização dos sistemas de saúde.

Deste modo, as capacidades em literacia em saúde incluem:
1 – Aptidões de saúde básicas tais como a aplicação de promoção na saúde, protecção na saúde e comportamentos de protecção na doença, assim como cuidados individuais.
2 – Aptidões para actuar como um parceiro activo com os profissionais de saúde.
3 – Aptidões como consumidor para fazer decisões saudáveis na selecção de bens e serviços e para actuar a nível de direitos do consumidor, se necessário.
4 – Aptidões como cidadão, através de comportamentos informados, conhecimento de direitos em saúde e membro de organizações de saúde.

Neste aspecto os meios de comunicação social e as novas tecnologias não têm sido um aliado do desenvolvimento da literacia em saúde da população. É necessário o desenvolvimento de fontes fidedignas de informação para a população de forma a adequar a utilização do SNS e de cada um dos serviços disponibilizados. A baixa literacia em saúde é muitas vezes a causa de tempos mais alargados de consulta, recorrências precoces e baixa adesão terapêutica.

Um investimento nesta área teria a médio/longo prazo um forte impacto na utilização evitável dos cuidados de saúde.

Tendo em conta o desperdício de recursos em práticas sem evidência, interacções medicamentosas, efeitos secundários, referenciações evitáveis ou, por outro lado, não atempadas, assim como sobreutilizações e incumprimento terapêutico, o ganho potencial e impacto na saúde das populações do investimento na Governação Clínica e de Saúde e na Literacia em Saúde, é enorme face ao investimento necessário.

António Pereira

Médico de Família, USF Prelada

(o autor não adotou o novo acordo ortográfico)