O desinvestimento crónico nos CSP e no SNS não pode continuar

[vc_row][vc_column][vc_column_text]COMUNICADO

11.novembro.2022

A USF-AN (Associação Nacional de USF) tem realizado reuniões com todos os partidos políticos com assento parlamentar, parceiros e outras organizações da saúde, nas quais tem apresentado soluções que considera viáveis para a resolução dos problemas sentidos na saúde, especialmente dos Cuidados de Saúde Primários (CSP).

A finalidade deste ciclo de reuniões é garantir que cada residente em Portugal tenha uma equipa de saúde familiar a exercer em condições otimizadas.

Apesar deste nosso esforço e do de outros com o mesmo objetivo, continuamos a ver acontecer um desinvestimento continuado nos Cuidados de Saúde Primários. Este não é o caminho!

No SNS, especialmente nos CSP, confirmamos, diariamente e de forma pública e transparente – ver BI CSP – a eficiência que este nível de cuidados apresenta no que respeita à qualidade da resposta dada à população, qualidade essa atestada pela própria OCDE na comparação com outros países.[/vc_column_text][vc_column_text]

Figura 1 – Quadros retirados do relatório da OCDE sobre a Saúde em Portugal de 2021 (muito sobreponível ao de 2017)[/vc_column_text][vc_column_text]Dentro deste nível de cuidados é inequívoco que as USF de modelo B em relação às USF modelo A e estas em relação às UCSP (modelo não-USF):

  • Têm rácios maiores de inscritos por equipa de saúde familiar;
  • Têm menor despesa com MCDT prescritos;
  • Têm menor taxa de utilização das urgências hospitalares;
  • Têm menor taxa de internamentos por HTA;
  • Têm menor taxa de internamentos por complicações crónicas da diabetes;
  • Têm menor taxa de internamentos por pneumonia em adultos.

Tal quer dizer tão simplesmente que o modelo de organização dos cuidados conta e muito para a qualidade dos mesmos.[/vc_column_text][vc_column_text]

Figura 2 – Cada barra cinzenta é o resultado de todas as UCSP do país, as azuis referem-se às USF A e as amarelas às USF B. Cada conjunto de barras representa um ano de 2016 a 2021.[/vc_column_text][vc_column_text]Para além desta prova, que é dada por uma plataforma do próprio Ministério da Saúde, temos ainda o recente contributo da ERS (Entidade Reguladora da Saúde), com a sua informação de 19 de outubro, sobre o acesso aos CSP, que nos diz que «Considerando que as análises realizadas permitem concluir por um melhor desempenho relativo na região Norte, para a maioria dos indicadores analisados, e que esta é a região onde há mais USF modelo B, o melhor desempenho poderá estar associado ao regime de incentivos financeiros aos profissionais dessas unidades funcionais, que não se encontram previstos nas USF modelo A nem nas UCSP.».

Com isto, facilmente se conclui que se todas as outras unidades dos CSP (UCSP e USF A) passassem a USF B e se se tivesse sido capaz de reter no SNS todos os recém-especialistas que se desvincularam nos últimos 3 anos, seria possível atribuir uma equipa de saúde familiar a trabalhar em condições otimizadas a todos os atuais 1,3 milhões de residentes sem equipa de saúde familiar.

Portanto, há prova de que não se esgotou ainda a resposta possível no SNS para os CSP. Aliás, podemos verificar, através dos relatórios dos vários estudos do Momento Atual da Reforma dos Cuidados de Saúde Primários em Portugal, que muitos problemas se mantêm ao longo dos anos. A título de exemplo, analisando a edição 2021/2022, os problemas identificados podem ser ordenados, por ordem decrescente de importância:

  1. Dificuldade em prestar os cuidados de saúde à população devido ao elevado rácio de utentes por profissional, ausência de medidas de fundo que priorizem os CSP, agravado por problemas com a substituição (permanente e temporária), recrutamento e mobilidade de profissionais e aumento do trabalho gerado pelas ausências profissionais;
  2. Falta de interoperabilidade entre programas informáticos em uso nas USF e Insuficiências dos sistemas de Informação;
  3. Inacessibilidade aos Incentivos Institucionais;
  4. Problemas com o cargo de Secretário Clínico;
  5. Instalações limitadas;
  6. Dificuldades no relacionamento institucional.

As soluções existem, são possíveis de implementar e são conhecidas por todos os intervenientes. Recentemente as recordamos e fizemos a sua ampla divulgação em comunicado, tendo sido entregues, em mão, ao Senhor Ministro da Saúde, no decorrer da sua participação no 13º Encontro Nacional das USF, a saber:

  1. Abolir as quotas administrativas à criação de USF, criando condições para que seja possível atribuir a cada residente em Portugal não só um médico de família, mas equipas de saúde familiar a trabalhar em condições otimizadas;
  2. Acesso imediato e permanente ao modelo B das USF a todas as USF com candidatura aprovada, promovendo o aparecimento de mais USF e atraindo e retendo profissionais de saúde no Serviço Nacional de Saúde;
  3. Instituir suplementos remuneratórios para fixação de profissionais de saúde que escolham trabalhar nas zonas consideradas carenciadas;
  4. Instituir suplementos remuneratórios para retenção de profissionais de saúde nas zonas consideradas carenciadas até que possam entrar numa USF modelo B; o esquema remuneratório das USF B deve ser simplificado e igual para todos os grupos profissionais, continuando sensível ao desempenho e carga de trabalho;
  5. Implementar o processo clínico eletrónico único para todo o SNS;
  6. Abolir práticas burocráticas e de atividades sem valor para a saúde das populações;
  7. Abrir concursos para especialistas em Enfermagem de Saúde Familiar para todos os enfermeiros que já concluíram o processo formativo exigido. Simplificar todo o processo para atribuição do título de Especialista em Enfermagem de Saúde Familiar, valorizando a experiência profissional de enfermagem em contexto de USF/UCSP;
  8. Valorizara atividade do secretariado clínico, com definição de competências diferenciadoras, com possibilidade de criação de estrutura formativa para o efeito, conducente à criação de uma nova carreira especial;
  9. Criar bolsas de profissionais que assegurem a compensação das ausências prolongadas nas unidades ou o atendimento à doença aguda dos utentes sem equipa de saúde familiar atribuída ou outras atividades não previstas;
  10. Fomentar a autonomia financeira dos ACES, delegando nestes, nomeadamente, a gestão dos Incentivos Institucionais das unidades funcionais sob sua administração;
  11. Fortalecer a ligação às comunidades e assegurar a sua participação ativa na vida das organizações de saúde, reforçando estruturas como o Conselho da Comunidade, Comissões de Utentes e Provedor do Utente, regulamentando a carta para a participação pública na saúde, promovendo o estatuto do cuidador informal e tornando mais eficaz a transmissão da informação sobre Saúde.

Não se percebe que seja apresentada uma solução, ainda que transitória e para zonas específicas do país, para a dificuldades de acesso aos CSP, baseada em fundamentação desconhecida, como as USF de modelo C, previstas para serem geridas por privados e por grupos de profissionais. Na mesma linha de pensamento, não se percebe que alguns municípios, como o caso de Lisboa, as prioridades na área da Saúde estejam a prejudicar o estabelecimento de mais USF, como se pode comprovar, por exemplo, com a retirada do Plano Plurianual de Atividades da Sociedade de Reabilitação Urbana de Lisboa o orçamento para a construção da USF de Telheiras e Ribeira Nova (Cais do Sodré) e adiar para 2024 e 2025 a construção da USF de Campo de Ourique.

Sobre esta matéria, em primeiro lugar, salientamos que está claro na lei que o modelo C só poderá avançar quando estiverem esgotadas as respostas no SNS e, como vimos acima, estas respostas ainda estão longe de estarem esgotadas. Em segundo lugar, ninguém sabe muito bem o que são as USF modelo C e, portanto, será trocar algo certo, com provas dadas e a que os portugueses estão culturalmente ligados e familiarizados por algo desconhecido e de que não se sabe se será mais prejudicial do que benéfico.

Hoje, talvez mais do que nunca, é necessário manter a capacidade de refletir, de visualizar um futuro viável e de propor medidas concretas e certeiras. Urge uma aposta certeira e continuada no Serviço Nacional de Saúde e nos Cuidados de Saúde Primários.

Acreditamos que, no momento atual, os Cuidados de Saúde Primários, como cuidados essenciais que são, têm de estar disponíveis para todos sem qualquer tipo de constrangimento. Os Cuidados de Saúde Primários têm de ser fortalecidos para serem cada vez mais determinantes para o sucesso dos cuidados de saúde, do Serviço Nacional de Saúde e da sociedade portuguesa como um todo, ao garantir, como no passado, um nível adequado de saúde da população e o enfrentamento bem-sucedido de crises.

A Direção[/vc_column_text][/vc_column][/vc_row]