COMUNICADO
13.setembro.2023
A USF-AN (Associação Nacional de Unidades de Saúde Familiar) tem acompanhado e reconhece o esforço das ações empreendidas pelo Governo e sindicatos para que houvesse uma evolução na proposta para o novo Decreto-lei (DL) das USF (Unidades de Saúde Familiar). Tal parece não ter sido possível e não há acordo.
A opinião generalizada nos nossos fóruns de discussão é que a proposta atual não valoriza ainda adequadamente o desempenho, tendo em conta os atuais desafios que os CSP (Cuidados de Saúde Primários) enfrentam (promoção da saúde, gestão da doença crónica, dependência em contexto domiciliário, etc.), principalmente para os grupos dos enfermeiros de família e dos secretários clínicos.
Considerámos fundamentais três objetivos:
- não desvirtuar o modelo USF;
- proceder à execução de estudos de impacto das medidas a introduzir;
- representar um ganho de remuneração para os profissionais atualmente nas USF.
Ainda que mantendo o enquadramento de uma USF, esta proposta não promove o trabalho em equipa porque as evoluções dirigem-se essencialmente para os médicos de família, criando assimetrias dentro da equipa que, no futuro, poderão comprometer a essência de uma USF: o trabalho em equipa.
De facto, o tal novo equilíbrio entre vida pessoal/familiar e profissional, com salários dignos, um maior grau de previsibilidade remuneratória, flexibilidade e objetivos realistas, tem de ser para toda a equipa e de modo a contrabalançar o decréscimo de cerca de 25% do poder de compra dos profissionais das USF desde 2007, ano em que foi publicada o primeiro Decreto-lei das USF. Desde então não se registou nenhuma atualização nos valores remuneratórios.
Importa, também, chamar a atenção que a discussão da nova proposta de DL não está a ser realizada no mesmo timing com os sindicatos representantes dos três grupos profissionais, para que neste momento todos pudessem dispor do mesmo nível de conhecimento e de discussão!
Por outro lado, não se procedeu aos estudos de impacto das medidas a introduzir. As contas complexas que conseguimos fazer, mostram que mesmo com aumentos de cerca de 13% na remuneração-base (e previstos só para os médicos de família) há perda de remuneração para cerca de metade das atuais equipas de saúde, em relação à remuneração em modelo B, se se mantiverem as atuais condições.
Importa, no entanto, lembrar que a maioria das USF já são modelo B e a carga de trabalho é, a maior parte do tempo, muito pesada. Esta diminuição da remuneração pode fazer muitos profissionais acionarem a sua aposentação assim que puderem (estão nessa situação, já hoje, 400 médicos de família). Por outro lado, mais de 150 USF de modelo A poderão não atingir o IDG (Índice de Desempenho Global) mínimo para se poderem candidatar, fruto de anos de desmotivação.
É, também, uma proposta que privilegia trabalhar com comunidades portuguesas normativas, logo desincentiva a equidade ao promover o trabalho em comunidades que já têm os melhores determinantes sociais de saúde; também desincentiva a investigação e projetos inovadores (como a prescrição social e outros) ao não recompensar de todo estas componentes, ao escolher usar como índice o IDE (Índice de Desempenho da Equipa) e não o IDG.
Ainda, é uma proposta que oculta uma parte da lei ao remeter matérias importantes para futuros Despachos ou Portarias. Estas devem ser apresentadas no mesmo momento de forma a evitar surpresas no futuro e retrocessos.
O equilíbrio também tem de acontecer na composição da equipa de saúde familiar com rácios 1:1:1 entre os três grupos profissionais e o sistema remuneratório não pode promover as discrepâncias nestes rácios como agora acontece. Ainda, o número de profissionais do grupo dos enfermeiros e secretários clínicos usado como divisor para definir o número médio de UC (Unidade Contratualizada) de lista, deve ser o número de profissionais que está de facto a trabalhar ao invés de, como acontece agora, o número de profissionais desse grupo no parecer da respetiva ERA (Equipa Regional de Apoio). Sugerimos até que, em caso de ausências prolongadas, o profissional ausente seja removido do divisor para efeito de cálculos.
Assim, as propostas que deixamos para reflexão:
- Prever a dedicação plena para os enfermeiros de família e secretários clínicos, com a devida compensação remuneratória, tal como está prevista para os médicos de família;
- A dedicação plena deve, de modo a colmatar a depreciação do vencimento desde 2007 e a inflação atual, contemplar um aumento muito superior ao previsto na proposta (que é atualmente no máximo cerca de 13%) e uniforme para as remunerações-base em todas as posições remuneratórias e para os três grupos profissionais;
- As listas de utentes e respetivo pagamento de suplementos de lista para os enfermeiros de família e secretários clínicos devem ter as mesmas regras que têm para os médicos de família, ou seja, ser paga individualmente e não coletivamente e aplicar-se a majoração com o fator de 1,8 para os primeiros três aumentos de 55 UP (Unidades Ponderadas) e em 2,0 para sétimo, oitavo e nono aumentos que se aplica aos médicos. Continuar com a atual proposta criará conflitualidade interna. Deve-se, ainda, melhorar a remuneração devida pelo suplemento associado ao aumento de unidades ponderadas da lista de utentes para secretários clínicos e enfermeiros de família;
- Deve-se manter a lógica das atividades específicas, valorizando o número de utente em que se consegue cumprir boas práticas e evitar indicadores relacionados com os custos para cálculo da remuneração direta dos profissionais; por outro lado, transformar as atividades específicas numa lógica de IDG em que se tem de alcançar uma dada percentagem da população-alvo, pode levar ao raciocínio direto que ter uma lista mais pequena torna mais fácil atingir a meta, enquanto que, na lógica anterior, ter listas maiores favorece alcançar um maior número de pessoas com as quais conseguimos cumprir as boas práticas; pela mesma linha de raciocínio, a dimensão da lista e atividades específicas devem ser pensadas em conjunto também para efeitos de remuneração, como acontecia no Decreto-lei anterior, e não como áreas independentes uma da outra que, como vimos, não o são;
- Querendo utilizar o IDE, este deve incorporar a ponderação do ICU (Índice de Complexidade de Utentes) e do IPDA (Índice de Perturbação do Desempenho Assistencial), assim como deve ter indicadores que valorizem a qualidade organizacional das USF, nomeadamente o processo de acreditação e o índice de satisfação dos utentes e dos profissionais; no entanto, o IPDA deve ser revisto de modo a espelhar melhor o impacto da ausência de profissionais ou trabalhar em zonas com grande dispersão populacional ou com altas percentagens de população migrante (que é muito diferente conforme as origens, algumas com grandes diferenças nas temporadas em que permanecem no país);
- Ponderar dar um bónus na parte não assistencial do IDG se a unidade estiver acreditada;
- Retirar a referência ao modelo C de USF porque, como já se disse, confunde sobre qual é a finalidade deste novo Decreto-lei;
- Contemplar a passagem à categoria de enfermeiro especialista a todos os enfermeiros que já sejam detentores do título de Enfermeiro Especialista em Enfermagem de Saúde Familiar;
- Em relação aos suplementos por orientação de internos, ponderar pagar uma verba ao orientador a quem for atribuído o interno e uma verba a distribuir, mensalmente, por todos os elementos da USF, nomeadamente médicos de família, enfermeiros de família e secretários clínicos;
- Explorar adaptações ao modelo B das USF para zonas de grande dispersão populacional (a USF-AN já teve oportunidade de partilhar propostas neste sentido).
Propomos, ainda, duas normas eventualmente transitórias:
- o IDG mínimo para as USF de modelo A ou UCSP (Unidades de Cuidados Personalizados) que se candidatem a USF modelo B, deve baixar para 60%, passando essas unidades a USF B a 1 de janeiro de 2024, com o compromisso de atingir, em três anos, o mínimo de 70% no IDG;
- durante 2024, e para que as unidades se adaptem a eventuais novas métricas, utilizar o IDG ponderado pelo IPDA.
Reiteramos que é fundamental que o próximo Decreto-lei das USF mantenha as vantagens do modelo B para a melhoria da qualidade dos cuidados e a capacidade que tem demonstrado para atrair e manter os profissionais no SNS (Serviço Nacional de Saúde), resolvendo muitos dos problemas do SNS, incluindo o dos utentes sem equipa de saúde familiar atribuída.
A Direção