O novo Decreto-lei das USF

COMUNICADO

05.setembro.2023

A USF-AN foi informada que o novo Decreto-lei das USF (Unidades de Saúde Familiar) que vai estabelecer o regime jurídico da organização e do funcionamento das mesmas, assim como o regime de incentivos e remunerações a atribuir, será discutido esta semana com os sindicatos.

Temos acompanhado as várias propostas que têm vindo a público e a conclusão é que a lei existente é uma lei equilibrada e que tem conseguido atingir os objetivos a que se propôs. Pode, no entanto, ser melhorada pontual e estrategicamente.

Este é o cenário que as USF enfrentam atualmente:

  • os profissionais das USF querem, acima de tudo, um novo equilíbrio entre a sua vida pessoal/familiar e profissional, para tal necessitam de salários dignos, um maior grau de previsibilidade remuneratória (que deverá ser transmitida pelo aumento da remuneração base), flexibilidade e objetivos realistas; houve um decréscimo de cerca de 25% do poder de compra dos profissionais das USF desde 2007, quando foi publicada a lei das USF;
  • existem, neste momento, 4 464 424 utentes inscritos nas USF de modelo B, 2 544 898 nas USF de modelo A, 3 361 344 nas UCSP (Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados) e um total de 1 593 382 utentes sem equipa de saúde familiar atribuída; ou seja, o modelo USF já cobre 68% da população inscrita nos centros de saúde;
  • as USF de modelo B têm quase mais 500 utentes por equipa do que o modelo tradicional (UCSP), os seus utentes recorrem menos aos serviços de urgência hospitalar, o número de internamentos evitáveis é menor, todos os indicadores, nomeadamente, os relacionados com os custos, têm, em média, melhores resultados nas USF modelo B do que nas USF de modelo A e os modelos tradicionais; A grande diferença está no enquadramento organizacional e remuneratório; acresce dizer que a quase totalidade (98%) das equipas das USF de modelo A querem avançar para o modelo B;
  • se todas as USF modelo A e UCSP passassem para USF de modelo B e se se mantiverem os rácios, seria possível atribuir equipa de saúde familiar a mais de 1 000 000 de utentes;
  • as equipas de saúde familiar consideram que as listas de utentes em modelo B são demasiado grandes para as condições de trabalho, as exigências administrativas e a falta, em número suficiente, das outras profissões da saúde; para se manterem as atuais listas, tem de melhorar tudo o que apoia o trabalho das equipas;
  • existem, hoje, 4 002 médicos de família, 4 081 enfermeiros de família e 2 991 secretários clínicos a exercer funções nas USF, ou seja, há menos 25% de secretários clínicos do que médicos e enfermeiros; esta discrepância é indefensável dado o grande aumento das responsabilidades administrativas/burocráticas da atividade das USF; o apoio logístico é uma das chaves do sucesso das USF e isso só será conseguido com rácios 1:1:1 entre os três grupos profissionais; é necessária a publicação do perfil de competências dos secretários clínicos (conducente à criação de uma carreira) e um plano de formação em serviço para este grupo profissional que possibilite que se transformem num ainda mais eficaz apoio à gestão das USF;
  • existem, hoje, cerca de 400 médicos de família em condições de se reformarem desde já (idade superior a 65 anos), o que quer dizer que se se reformarem todos os médicos de família em condições de aposentação, teremos mais 684 119 utentes sem equipa de saúde familiar; um cenário de perspetiva de perda remuneratória não ajuda na decisão de se manterem mais alguns anos no SNS;
  • 92,6% (71,8% em USF de modelo B) dos internos de Medicina Geral e Familiar cumprem a sua formação em USF; qualquer alteração no sistema de compensações aos orientadores de formação, como as que têm sido propostas, pode colocar em causa um processo formativo que permite a Portugal ser autossuficiente em termos de médicos de família e ser considerado um dos melhores do mundo;
  • Portugal tem dos melhores indicadores de saúde, muito acima do que seria suposto pelas suas condições socioeconómicas – internamentos evitáveis, mortalidade evitável e tratável e esperança de vida – e uma das explicações está na cobertura do país por serviços de Cuidados de Saúde Primários (CSP) de qualidade nos últimos 50 anos.

Num momento em que se anunciam as últimas reuniões para a definição da nova lei das USF, consideramos fundamentais estes três objetivos:

  1. não desvirtuar o modelo USF naquilo que tem feito a diferença e contribuído para ganhos assistenciais, valorizando-se a governação clínica liderada pelas equipas de saúde familiar;
  2. proceder à execução de estudos de impacto das medidas a introduzir;
  3. representar um ganho de remuneração para os profissionais atualmente nas USF, porque, se tal não acontecer, levará à diminuição da capacidade de atração de novos profissionais e à aposentação imediata de centenas de profissionais que já têm atualmente essa possibilidade (para não verem a sua pensão de aposentação penalizada), agravando ainda mais um dos problemas que se quer resolver.

Dentro das medidas a implementar:

  • fim das quotas para USF de modelos A e B e as USF de modelo B como futuro modelo único de USF, o que já foi anunciado pelo Governo; estas quotas foram a causa principal da atual falta de equipas de saúde familiar;
  • em paralelo, deve desaparecer a menção às USF de modelo C, porque a sua manutenção na lei levanta dúvidas sobre o que se quer de facto e porque estas USF de modelo C são de implementação quase impossível; estas para serem USF teriam de ser multiprofissionais, autogeridas, com todos os grupos profissionais com igual voto nas decisões, com eleição dos coordenadores e conselhos técnicos e uma autonomia funcional e organizativa ampla, em que a administração apenas contratualiza objetivos e recursos, deixando a organização dos cuidados com a equipa; se assim não for, seria só uma apropriação abusiva do bom nome das USF para interesses privados;
  • aumento da remuneração base, a parte fixa da remuneração, para um valor equivalente ao valor das 42h com exclusividade para os médicos de família, 42h em regime de horário acrescido para os enfermeiros e proporcional para os secretários clínicos para um horário igual ao da restante função pública, ou seja 35h; esta medida iria trazer a confiança, para quem está nos outros regimes de trabalho de que não iria ter um decréscimo no seu vencimento porque muitos estão com esses regimes remuneratórios de 42h e têm receio de uma eventual perda de remuneração se não conseguirem atingir os objetivos dado um eventual aumento das exigências na parte variável; este seria, também, um estímulo para que os profissionais, com essa possibilidade, atrasassem mais uns anos a sua aposentação;
  • as compensações pela coordenação da unidade, pelos domicílios e pela orientação de internos devem-se manter e ficar indexada à tabela remuneratória (para ter evolução com a progressão da remuneração base) e deve ser alargada aos enfermeiros;
  • o modo de cálculo da remuneração de médicos, enfermeiros e secretários clínicos deve ser igual;
  • a ponderação das listas de utentes devem ser de cálculo fácil e compreensível pelos profissionais que vão ver a sua remuneração dela dependente;
  • as atividades específicas, parte variável da remuneração ligada à qualidade, devem continuar a servir para garantir que se cumprem as boas práticas assistenciais, sendo remuneradas de acordo com o número de utentes em que se conseguem cumprir as boas práticas como até agora e não devem ter indicadores relacionados com os custos porque tal traria problemas éticos; o atual modelo já consegue ter racionalização de custos e maior eficiência e vai continuar a produzir esse efeito, via Índice de Desempenho Geral (IDG); deve-se considerar a necessidade de atualizar aquilo que são boas práticas para estarem alinhadas com a evidência internacional e pode-se considerar a hipótese de adicionar mais áreas às atividades específicas de acordo como as orientações do Plano Nacional de Saúde;
  • a parte variável da remuneração deve continuar a poder ser calculada com o equilíbrio entre a dimensão da lista de utentes e o cumprimento das atividades específicas porque se potenciam mutuamente;
  • melhorar o Índice de Desempenho Global que é já considerado, pela maioria dos profissionais, uma forma adequada de avaliação do desempenho das equipas e dos profissionais para efeitos de atribuição de incentivos institucionais e constituição/extinção da USF;
  • incluir uma salvaguarda de fatores externos que possam influenciar o IDG e que não sejam responsabilidade da equipa, como ausência de profissionais, incumprimentos por parte dos ACeS/ARS/MS (Agrupamentos de Centros de Saúde/Administrações Regionais de Saúde/Ministério da Saúde) e dos utentes na adesão aos programas de vigilância ou outros, continuando a considerar a utilização do Índice de Perturbação do Desempenho Assistencial (IPDA), validado anualmente em sede da Comissão Técnica Nacional;
  • simplificar e tornar efetiva a atribuição e utilização dos incentivos institucionais das unidades funcionais – uma das principais ferramentas de autonomia das USF; estes incentivos devem ser atribuídos retroativamente desde 2017 porque a falha na sua atribuição deve-se exclusivamente ao Governo e constitui uma quebra grave do contrato com as USF;
  • explorar adaptações ao modelo B das USF para zonas de grande dispersão populacional (a USF-AN já teve oportunidade de partilhar propostas neste sentido);
  • deixar claro na lei, para todos os grupos profissionais, como será calculado o valor da pensão de aposentação.

Paralelamente deve-se:

  • avançar, finalmente, para o processo clínico único eletrónico, medida verdadeiramente integradora dos cuidados, para que todos os profissionais de saúde possam registar na mesma aplicação, dando acesso fácil aos dados completos relativos a cada utente e permitindo avaliar todas as interações dos utentes no SNS (Serviço Nacional de Saúde);
  • aumentar a capacidade de resolução de situações clínicas nos Cuidados de Saúde Primários, com a possibilidade de se ter laboratórios de testes rápidos “point-of-care” acessível a todas as USF;
  • Lançar o E-Qualidade – uma funcionalidade da plataforma BI CSP que trará transparência a todo o processo de candidatura para a constituição das USF e poderá melhorar o acompanhamento do desempenho destas;
  • desbloquear os concursos de recrutamento de enfermeiros e secretários clínicos, parados há anos, porque muitas USF não conseguem abrir por falta destes profissionais e não só por falta de médicos de família;
  • implementação de substituições a tempo e horas de pessoal em ausência prolongada, um fator que contribui para um grande desgaste das equipas, dando cumprimento aos prazos de substituição legalmente previstos; sugerimos a criação de uma bolsa de profissionais, onde podem ser incluídos reformados, trabalhadores do setor privado ou profissionais do SNS que pretendam fazer trabalho extraordinário;

É fundamental que o próximo decreto-lei das USF mantenha as vantagens do modelo B para a melhoria da qualidade dos cuidados e a capacidade que tem demonstrado para atrair e fixar os profissionais no SNS, resolvendo o problema dos utentes sem equipa de saúde familiar atribuída.

A USF-AN faz votos que Ministério da Saúde e Sindicatos consigam alcançar um entendimento nas várias matérias em discussão e coloca-se à disposição para contribuir para que se encontrem as melhores soluções.

A Direção

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