Os vazios das Unidades Locais de Saúde e o silêncio da Direção-Executiva do SNS

COMUNICADO

18.janeiro.2024

Decorrida a metade do primeiro mês após o suposto início do funcionamento pleno das novas Unidades Locais de Saúde (ULS), persistem muitas incógnitas e a plenitude devida ainda não passa de uma preocupante miragem.

Perante o silêncio da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde (DE-SNS), à data do início do funcionamento das ULS, faltava a nomeação dos elementos de 2/3 dos seus Conselhos de Administração! Igualmente preocupante, não se conhecem os critérios das escolhas já concretizadas!

Uma vez que as Administrações Regionais de Saúde (ARS) e os Agrupamentos de Centros de Saúde (ACeS) foram oficialmente extintos a 31 de dezembro de 2023, os cuidados de saúde primários (CSP) encontram-se em terra de ninguém, não se conhecendo o interlocutor no caso de necessidades intempestivas das Unidades que os constituem para o exercício das suas competências. Os cerca de 700 funcionários das ARS e muitos mais profissionais ligados à gestão dos ACeS estão igualmente no vazio, assim como no vazio estão competências não transferidas e património das ARS.

Também a dinâmica organizacional dos CSP está num impasse doloroso.

Existe legalmente definido um Diretor Clínico dos CSP nos Conselhos de Administração (CA) das ULS, mas cujas competências ainda não foram clarificadas e desconhece-se quem, no terreno, assegure localmente, por exemplo, a governação clínica das Unidades Funcionais (UF). Pode um único Diretor Clínico acumular o trabalho de governação institucional e clínica de todas as UF dos CSP da respetiva ULS que são mais de 30 em média? E ainda prover pela defesa da cultura organizacional dos CSP contra eventuais imposições de lógicas hospitalares, já que as instituições hospitalares estão em maioria nos órgãos decisórios e impera naquelas um desconhecimento sobre o funcionamento dos CSP? Afigura-se-nos que tal será inviável e essa será a razão pela qual têm sido convidados múltiplos adjuntos para este Diretor Clínico, sem qualquer definição prévia ou suporte legal, o que faz suspeitar de fragilidades incontornáveis e não tidas em consideração na planificação do modelo de gestão das novas ULS.

De qualquer modo, todos os elementos já nomeados podem contar com a USF-AN para os apoiar no que for no sentido da melhoria dos cuidados a prestar.

Entendemos, no entanto, que a posição destes profissionais se encontra fragilizada, não só por não serem públicos e transparentes os critérios de seleção, como pela inexistência do respetivo e efetivo respaldo legal. Ainda, a dimensão de algumas ULS (uma maior que o Luxemburgo em termos de população, outras com uma grande extensão de território) expõe a fragilidade do que foi pensado para organizar cuidados essenciais à vida das pessoas.

Também se desconhecem quaisquer medidas concretas e generalizadas no sentido da integração racional dos cuidados centrados no utente, a grande finalidade para a constituição das ULS.

Aliás, desconhece-se qualquer plano estratégico para o sucesso das ULS.

Por outro lado, confirma-se o desconhecimento sobre o enquadramento legal dos CSP por parte dos CA das ULS já constituídos, o que tem levado já neste início do ano a vários equívocos, nomeadamente com a tentativa de supressão do logo das USF, que não só está previsto, como é obrigatório por lei. O desconhecimento estende-se ao que faz o sucesso da atividade dos CSP, como estamos a ver no caso da vacinação contra a gripe ou nos planos para colocar médicos de família nas urgências hospitalares. Esta última resultaria em aplicar aos CSP a mesma medida que foi matando os hospitais: a deslocação da maior parte da atividade para os vários tipos de urgências. Este foco nas urgências foi retirando meios para as soluções estruturantes do problema: otimizar atividade e altas do internamento, resposta atempada nas consultas externas, soluções para a agudização dos doentes seguidos no hospital, criação da especialidade de urgência hospitalar. Querem agora fazer o mesmo para os CSP, perpetuando e ampliando os erros.

Finalmente, há uma falta de criatividade e flexibilidade na solução encontrada – uma única solução para tudo, para realidades muito diferentes.

A Direção Nacional da USF-AN vem, assim, solicitar à Direção-Executiva do SNS que, sucessivamente e no primeiro trimestre de 2024:

  1. divulgue os critérios das nomeações que está a levar a cabo;
  2. dê por terminada a formalização oficial da nomeação de todos os elementos dos CA das 39 ULS a nível nacional;
  3. defina e divulgue publicamente as competências dos Diretores Clínicos dos CSP no seio dos CA das ULS e dos Centros de Saúde integrantes das ULS;
  4. defina e divulgue publicamente os critérios para a escolha dos elementos adjuntos locais dos CA das ULS, nomeadamente a nível dos CSP;
  5. elabore e divulgue os modelos tipo de Regulamento Interno e Manual de Articulação Interno das ULS, onde constem, entre outras, a dinâmica organizacional dos CSP, com respeito pelos articulados no n.º 3 do artigo 89.º do Estatuto do SNS, aprovado pelo Decreto-Lei 52/2022, de 04 de agosto – “Os estabelecimentos de saúde, E. P. E., que assumam o modelo de ULS, são também constituídos por unidades funcionais de prestação de cuidados de saúde primários e devem seguir, com as necessárias adaptações, o regime e a estrutura definidos no regime de criação, organização e funcionamento dos ACES, previsto no capítulo III do presente decreto-lei, e no Decreto-Lei n.º 298/2007, de 22 de agosto, na sua redação atual, integrando um departamento próprio” – e no articulado no n.º 5 do artigo 3.º do anexo I do Decreto-Lei 103/2023, de 07/11 – “As USF dispõem de autonomia organizativa, funcional e técnica, integrando-se numa lógica de rede com outras unidades funcionais do agrupamento de centros de saúde (ACES) ou da unidade local de saúde (ULS)”;
  6. assegure que os CA das ULS definiram e publicitaram internamente a nomeação dos vários profissionais adjuntos, suas competências, deveres e direitos compensatórios pela função, nomeadamente em termos de atribuição de carga horária para o exercício das respetivas funções;
  7. rebatize as ULS que ficaram com a denominação de um dos centros hospitalares, seguindo a mesma lógica de todos os outros porque, sim, mantém-se a identidade de uma das instituições, mas destrói-se a das outras que integram a ULS.

Independente deste calendário, refletir se não seria mais sensato que algumas ULS não avançassem desde já ou até que se implementasse um modelo alternativo não–ULS, com Hospitais e CSP com autonomia equivalente a uma ULS, mas processos de contratualização que os obrigassem a cooperar.

Nesta alternativa, poderiam estar, por exemplo, os centros hospitalares universitários, que são unidades de fim de linha, completamente diferentes das outras e os respetivos ACeS. Consideramos que são unidades hospitalares com um nível muito mais elevado de complexidade e que as respetivas ULS, ainda mais dificilmente do que nas restantes, terão dificuldades para as gerir conjuntamente com as unidades dos cuidados de saúde primários a que ficaram ligadas. Para exemplificar esta dificuldade, veja-se a ULS Santa Maria (anterior ULS Lisboa Norte, aliás o nome correto) com a gestão dos ACeS Lisboa Norte (Sete-Rios em Lisboa) e do Centro de Saúde de Mafra em conjunto com o Centro Hospitalar (universitário) Lisboa Norte!?

Outras áreas que devem ser pensadas, até porque o país vai para eleições:

  • ponderar se não seria mais útil um modelo em que as ULS se comportassem como uma holding com o mesmo Conselho de Administração, mas várias linhas de cuidados – cuidados de saúde primários, cuidados hospitalares, cuidados continuados – centrada na jornada do utente no SNS, cada um com a sua estrutura de gestão e de governação clínica e com processos de contratualização mais inteligentes focados na cooperação;
  • no que diz respeito ao Enfermeiro Diretor que integra o Conselho de Administração das ULS, definir claramente os critérios que estão na seleção do mesmo e ponderar o alargamento do CA com um Enfermeiro Diretor para a área dos CSP e outro para a área dos cuidados hospitalares, tal como acontece com os diretores clínicos.

Esperam-se e aguardam-se ansiosamente respostas para tranquilização dos profissionais, para a sua motivação e paragem das saídas do SNS, e, sobretudo, para não pôr em causa a qualidade da prestação de cuidados às quais as populações abrangidas pelo modelo das Unidades de Saúde Familiar – USF se habituaram.

A Direção

* Comunicado em pdf