Ouvir o Discurso do Senhor Presidente da República na sua análise ao Estado da Saúde – Ideias Alinhadas com o que a USF-AN sempre defendeu

COMUNICADO

5.novembro.2025

Por uma política da saúde baseada em evidências e um Pacto de Regime para a Saúde

A USF-AN regista as declarações recentes do Senhor Presidente da República, publicadas no Expresso de 31 de outubro de 2025, nas quais afirma que “o SNS deve ser essencialmente público por várias razões, desde o financiamento, a existência de dois milhões de pobres, o envelhecimento da população e, por fim, porque o setor social e privado não são opções substitutivas, o primeiro por depender do público, o segundo por não ter a mesma experiência que o SNS na resposta que é preciso”.

Na mesma intervenção, o Presidente da República sublinhou ainda que “a rede pública do SNS, mesmo quando tem deficiências, tem experiência e tradição que outros sectores vão ter muita dificuldade em responder. Isto não é ideológico, é a realidade”, defendendo, por isso, “um pacto de regime ou, na inexistência de um acordo, uma definição clara entre o papel dos diferentes sectores, público, social e privado.”

Estas posições foram depois defendidas por vários dos candidatos à Presidência da República.

A coerência da posição da USF-AN

Estas palavras estão alinhadas com o que a USF-AN tem vindo a afirmar de forma consistente ao longo dos últimos dois anos.
No rescaldo das eleições legislativas de abril de 2024, a Associação alertou, em comunicado, que:

“Para o novo ciclo político, é fundamental que seja possível chegar a um consenso sobre as grandes linhas a seguir na Saúde nos próximos anos.

A população de Portugal precisa desse consenso!

Cuidados de saúde de qualidade têm de chegar a todos! Sem exceção!”

No webinar que a USF-AN promoveu com os vários partidos para as legislativas de 2025, voltou ao tema colocando aos vários partidos a “possibilidade de um pacto de estabilidade para a Saúde (é desejável? se sim, em que áreas? se não, como avançar?).”

Este apelo à construção de um consenso nacional em torno do SNS esteve igualmente presente na participação da USF-AN no Cascais International Health Forum, em maio de 2024, durante a sessão ‘Global Health Governance’, onde a USF-AN defendeu, também, a importância de encontrar um equilíbrio sustentável entre os setores público, social e privado, que a USF-AN tem assumido como essencial para o sistema de saúde português.

Nesta mesma sessão, a USF-AN apresentou estudos, de outros países, que demonstram a inadequação e perigos da substituição do setor público pelo privado, com a diminuição da qualidade e aumento da mortalidade tratável. Não se está a dizer que os cuidados prestados no setor privado e social sejam, por si mesmo, de menor qualidade, não conseguem é substituir o setor público nas suas funções essenciais, como disse o Senhor Presidente da República. Um serviço público tem de lidar com os problemas de saúde de um modo integrado com os problemas sociais (como a pobreza), conseguir articular-se com a segurança social, ter redundâncias úteis, estar num estado de prontidão para acidentes em larga escala, catástrofes, pandemias, cumprir todas as boas práticas, leis e burocracia do Estado e tudo isto não é compatível com grandes margens de lucro.

Neste mesmo sentido, quando se fala das PPP (parcerias públicas-privadas) da saúde, a ideia com que se fica é que pouca gente leu os relatórios sobre as mesmas, ainda que os citem. O que lá está escrito é:

– no relatório da Entidade Reguladora da Saúde: ““não se retira uma ilação global a respeito da vantagem ou desvantagem da gestão em regime de PPP”; “não se encontrou evidência de que a gestão hospitalar em regime de PPP poderá levar a uma maior ou menor eficiência relativa na comparação com outros hospitais“; “a percentagem de reclamações que visaram os hospitais PPP é superior à representatividade que esses hospitais têm no total de hospitais gerais públicos visados”.

– na avaliação do Tribunal de Contas: “Quanto aos indicadores de qualidade e eficácia dos cuidados de saúde, não se verificaram diferenças substanciais entre os hospitais geridos no modelo PPP e o desempenho médio dos hospitais comparáveis”; “A acomodação de despesa com produção não remunerada ocorreu fundamentalmente nas consultas externas médicas, de forma transversal às 4 PPP hospitalares, mas com especial impacto na PPP do Hospital de Braga. Neste hospital, cerca de 10% (364 mil) de todas as consultas externas realizadas ao longo da execução do contrato não foram remuneradas. Em 2015, o desvio atingiu 18%”; “Em 3 das 4 PPP hospitalares analisadas, as rendibilidades obtidas com a execução do projeto ficaram abaixo das previsões iniciais“; “No estabelecimento hospitalar da PPP do Hospital de Cascais, os anos iniciais foram de acentuado desequilíbrio financeiro da Entidade Gestora do estabelecimento, com uma crescente dependência de terceiros … e a entrada em situação de “falência técnica””.

Apesar do tom otimista das conclusões do próprio Tribunal de Contas, a suposta eficiência das PPP da Saúde foi feita, portanto, à custa péssimos negócios de ponto de vista financeiro para as entidades privadas, que obviamente, não vão repetir o erro. Com a abertura de uma rede extensa de hospitais 100% privados e extremamente lucrativos, dificilmente o Estado conseguirá de novo fazer tão bom negócio. Novamente, nada contra. É bom que haja alternativas para quem as possa pagar. Mas a percentagem de população portuguesa que lá consegue chegar e ter todos os tratamentos que necessita lá assegurados é muito pequena. E quantos seguros de saúde conseguem assegurar todos os cuidados de saúde que uma pessoa pode precisar? Qual é a percentagem dos seguros que não chega ao fim antes de conseguir cobrir um ano difícil em termos de tratamentos dentários, quanto mais de tratamentos oncológicos? Não podem substituir o SNS! Não é argumento.

O Estado não deve propor maus negócios às entidades privadas como está a acontecer com as USF C, Convenções para Medicina Geral e Familiar ou PPP porque, primeiro, não têm candidatos e perde-se tempo ou, mais grave, pode haver alguém que aceite e depois corte na qualidade como aconteceu nos casos fora de Portugal descritos acima.

Ainda, a USF-AN tem evidenciado as insuficiências do modelo ULS – Unidades Local de Saúde, pela sua inadequação aos cuidados de saúde primários e insuficiente preparação para substituir as ARS, assim como tem avaliado a criação da Direção-Executiva do SNS como uma medida importante. No entanto, a inadequada preparação da entrada em funcionamento desta última (apesar de ter havido tempo), as várias alterações da equipa Direção-executiva com a instabilidade inerente, como também o Senhor Presidente da República realçou, ainda não permitiram a estabilização da estrutura e a verificação do seu potencial.

No campo das soluções ao nível dos cuidados de saúde primários, as USF B têm demostrado que a solução pública portuguesa que nas últimas duas décadas tem assegurado cuidados de qualidade e otimização dos indicadores de saúde tem de continuar a ser a aposta. São já 701 (eram 695 há menos de um mês atrás), servindo 7.975.804 pessoas e há mais 30 candidaturas ativas. São resposta atual e continuam a crescer, sendo solução para o futuro.

A importância de uma política da saúde baseada em evidências

O discurso presidencial vem reafirmar que a política da saúde deve ser construída sobre evidências e resultados, e não sobre ideologias ou soluções imediatistas.

O SNS, pela sua experiência, capilaridade e compromisso com o interesse público, é insubstituível como garante da equidade e da coesão social.

A USF-AN renova, assim, o seu apelo para que o Governo, os partidos e as instituições do setor da saúde coloquem o interesse público acima de agendas particulares, e se unam na construção de um verdadeiro pacto de regime pela saúde que defina o que é essencial em termos de política de saúde no médio e longo prazo.

A USF-AN reafirma

  • SNS é o pilar essencial da Saúde em Portugal;
  • governação da saúde deve basear-se em evidências científicas, sustentabilidade, qualidade e competência;
  • A USF-AN defende USF B e uma equipa de saúde familiar para todos. Deve ser a nossa causa comum.
  • É urgente um pacto de regimeque defina com clareza o papel dos setores público, social e privado, assegurando cuidados de saúde de qualidade para todos, sem exceção.

P’la Direção da USF-AN

*comunicado em pdf