Questão em análise –
Contabilização para efeitos de aposentação ou reforma dos suplementos remuneratórios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do art. 31º (remuneração dos enfermeiros) e dos suplementos remuneratórios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do art. 33º (remuneração do pessoal administrativo) ambos do Decreto-Lei 298/2007 de 22/08 (Regime Jurídico das USF), relativos a enfermeiros e pessoal administrativo a laborar em Unidades de Saúde Familiar de modelo B.
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Exmo. Sr. Presidente do Conselho Diretivo
Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS)
Prof. Doutor João Carvalho das Neves
Questão em análise
– Contabilização para efeitos de aposentação ou reforma dos suplementos remuneratórios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do art. 31º (remuneração dos enfermeiros) e dos suplementos remuneratórios previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3 do art. 33º (remuneração do pessoal administrativo) ambos do Decreto-Lei 298/2007 de 22/08 (Regime Jurídico das USF), relativos a enfermeiros e pessoal administrativo a laborar em Unidades de Saúde Familiar de modelo B.
Análise
A criação da Unidades de Saúde Familiar adveio da intenção veiculada do Estado de reformar os cuidados de saúde primários.
Uma sequência lógica do Regime Remuneratório Experimental que vigorou desde 1998 e que após várias avaliações permitiu identificar ganhos para a saúde, aumentar a qualidade dos cuidados prestados e satisfação quer para os utilizadores quer para os profissionais.
Assim, com a publicação do Decreto-Lei 289/2007 de 20/08, estabeleceu-se o regime jurídico da organização e do funcionamento das Unidades de Saúde Familiar (USF), a remuneração a atribuir a todos elementos que as constituem, bem como o regime de incentivos a atribuir aos elementos que integrem as USF de modelo B.
No preâmbulo desse Decreto-Lei podermos encontrar alguns dos pressupostos que estiveram na origem da criação deste modelo de prestação de cuidados de saúde primários, quer a nível organizacional quer a nível remuneratório dos seus elementos:
“A autonomia organizativa e funcional para as USF, adoptada pelo supracitado despacho, inspirou-se nas experiências inovadoras anteriormente desenvolvidas nos centros de saúde, e que deram corpo a novas formas de organização dos cuidados de saúde, entre as quais se salienta o regime remuneratório experimental (RRE) estabelecido para os médicos.
Este modelo, em vigor desde 1998, permitiu, após várias avaliações, identificar ganhos em saúde e aumentar a qualidade dos cuidados prestados, com satisfação para os utilizadores e para os profissionais.
Acresce salientar que, em estudo recente sobre o impacte orçamental do lançamento e implementação das USF, conduzido por especialistas em economia da saúde, concluiu -se que o modelo organizativo agora proposto, construído à semelhança do RRE, vai permitir consideráveis reduções de custos na prestação de cuidados de saúde, contabilizando já incentivos para os elementos das equipas multiprofissionais.
…
Perante os resultados obtidos, e dado o objectivo estratégico fundamental da melhoria contínua da qualidade dos cuidados de saúde, torna-se imperativo transpor, consolidar e alargar o modelo de incentivos dos médicos a todos os profissionais das USF, potenciando, deste modo, as aptidões e competências de cada profissional e premiando o desempenho individual e colectivo, tendo em vista o reforço da eficácia, da eficiência e da acessibilidade dos cidadãos aos CSP.
…”
Ou seja, após se ter chegado à conclusão que os RRE eram um modelo a seguir, quer a nível organizativo quer a nível remuneratório, estabeleceu-se parâmetros para aplicar a todos os profissionais das USF que adveio do regime remuneratório dos RRE, (que à data era só aplicável aos médicos) a todos os profissionais das USF.
E de facto, em parte esse Decreto-Lei criou e aplicou o modelo dos incentivos dos médicos dos RRE aos outros profissionais da USF modelo B, isto porque veio a estabelecer para os enfermeiros e para o pessoal administrativo, formas idênticas de pagamento, onde se incluem, além da remuneração base, os suplementos e compensações de desempenho, (Vid. Art. 31º e 33º do citado DL).
No entanto uma distinção foi feita sem razão aparente, e está patente no art. 28 n.º 7 do citado DL o que dispõe o seguinte:
“Artigo 28.º
Remuneração dos médicos
7 — As componentes previstas na alínea a) do n.º 3 e na alínea a) do n.º 4 são consideradas para efeitos de aposentação ou reforma e para efeitos de abono de vencimento de exercício perdido em virtude de faltas por doença ou de protecção social na eventualidade doença.”
É que, no que concerne aos enfermeiros e pessoal administrativo, não se encontra uma disposição similar.
E é com base nesta distinção que Caixa Geral de Aposentações tem vindo a considerar que os enfermeiros e pessoal administrativo não podem usufruir do suplemento associado ao aumento das unidades ponderadas para efeitos de cálculo de aposentação ou reforma.
Embora seja uma decisão discutível, certo é que com base nesse pressuposto os enfermeiros e o pessoal administrativo que entretanto se têm reformado, não lhes tem sido contabilizado para efeitos de aposentação o suplemento associado ao aumento das unidades ponderadas, implicando por tal que a pensão de reforma seja muito inferior ao vencimento que enfermeiros e pessoal administrativo têm vindo a auferir nas USF modelo B.
Esta situação não é mais do que uma lacuna da lei, do conhecimento do legislador, e já com decisões intermédias tomadas no sentido de colmatar questões similares que se foram colocando ao longo do tempo.
Isto porque, tendo surgido dúvidas quanto ao abono devido aos médicos, enfermeiros e administrativos a título de subsídio de Férias e Natal, a “Missão para os Cuidados de Saúde Primários” elaborou a proposta n.º 4-MCSP/2008, que fez chegar ao Ministério da Saúde, e que foi aprovada pelo Sr. Secretário de Estado da Saúde, à data, Dr. Manuel Pizarro.
Dessa aprovação resultou que o subsídio de Férias e Natal passou a ser liquidado tendo em conta os montantes auferidos pelos profissionais da USF, nomeadamente a remuneração associada ao aumento de unidades ponderadas.
A interpretação ali explanada abrangeu todos os elementos das UFS modelo B, ou seja, Médicos, Enfermeiros e o Pessoal Administrativo, como podemos aferir pelo trecho do referido documento que infra se transcreve:
“6 – Embora se venham mencionados os normativos relacionados com o grupo profissional dos médicos, no entanto, a “vexata quaestio” respeita a todos os grupos profissionais da equipa multiprofissional que constituem a Unidade de Saúde Profissional – médicos, enfermeiros e administrativos.
Como já se observou no primeiro parágrafo deste texto, de facto a norma em causa apresenta a mesma redacção nos artigos correspondentes aos diversos grupos profissionais.
Daí que a solução interpretativa encontrada para o grupo de médicos se estenda aos restantes grupos, sendo de destacar que a dimensão ponderada da lista de utentes inscritos nas diferentes listas dos médicos integrantes da equipa multiprofissional (artigos 8º e 9º do Decreto Lei n.º 298/2007).”
Ou seja, foi considerado desde logo que o salário dos enfermeiros e do Pessoal Administrativo engloba, além do vencimento base o suplemento associado ao aumento das unidades ponderadas previsto na al. a) do n.º 3 do art. 31º e na al. a) do n.º 3 do art. 33º, ambos do DL 298/2007, como se um único vencimento se tratasse.
Por força deste entendimento (entendimento do próprio Ministério da Saúde) os profissionais enfermeiros e o pessoal administrativo começaram a efetuar descontos para a CGA sobre o montante percebido a título do suplemento associado ao aumento das unidades ponderadas.
Aliás, as ARS estariam à espera dessa orientação para iniciar os descontos para a CGA, descontos esses efetuados com efeitos retroativos à data de entrada de cada um dos profissionais para a sua respetiva USF.
Esse é também o entendimento do “Grupo Técnico para os Cuidados de Saúde Primários” pertencente ao Ministério da Saúde, que chamado a pronunciar-se sobre esta questão teve entendimento idêntico, indo inclusive mais longe, ao aferir concretamente que apesar da inexistência de previsão idêntica para os enfermeiros e pessoal administrativo do disposto no nº. 7 do art. 28º do DL 298/2007, tendo em consideração o disposto no art. 6º conjugado com o art. 47º ambos do Estatuto da Aposentação, o suplemento relativo as Unidades ponderadas têm igualmente de ser considerado para efeitos de atribuição de pensão de aposentação.
Conclusão
Urge clarificar a presente questão, nomeadamente através de alteração legislativa do Decreto-Lei n.º 298/2007 de 20/08, onde se passe a prever de igual forma que os suplementos previstos nas al. a) dos n.º 3 dos artigos 31º e 33º do referido Decreto-Lei sejam incluídos para efeitos de aposentação e reforma, sob pena da continuação da efetiva discriminação negativa entre profissionais das USF modelo B, o que provoca uma continuado descontentamento dos profissionais e a quebra da coesão imprescindível ao bom funcionamento das Unidade de Saúde Familiares.
Tal alteração deverá ter efeitos retroativos à data da implementação das USF.
O Consultor Jurídico
Hélder Oliveira Ferreira
Departamento Jurídico
USF-AN (Associação Nacional das USF)