Na sua 13ª edição, desde 2009, este estudo mantém o objetivo de caracterizar o estado da reforma dos Cuidados de Saúde Primários (CSP) de 2005 através da avaliação que os coordenadores das Unidades de Saúde Familiar (USF) fazem do momento atual desta reforma.
Como ponto da situação, existem agora (9/10/2023) 616 USF, 348 B e 268 A e 138 candidaturas ativas a USF.
Este estudo é um censo, tendo sido inquiridos de julho a setembro de 2023 todos os coordenadores de USF em atividade nesse período. Existiam, na altura do estudo, 615 USF.
Neste estudo, obtiveram-se 484 respostas, o que corresponde a uma taxa de resposta de 78,7% em relação ao universo dos coordenadores de USF em atividade, a maior taxa de resposta de sempre e um número recorde de respondentes. Em 7 das 13 edições, registaram-se taxas de resposta acima dos 70%, 6 das quais nos últimos 6 anos.
Os primeiros resultados revelam que a grande maioria (97,7%, aumentou de 94,08% do ano passado) das USF modelo A pretende passar a modelo B e cerca de 50,3% (aumentou de 35,26% do ano passado) já se candidatou a modelo B. Não restam dúvidas, portanto, que é este o modelo em que as equipas querem continuar.
80,6% (+ 2,5% em relação ao ano passado) dos coordenadores a considerarem-se insatisfeitos ou muito insatisfeitos com o momento atual da reforma dos CSP e 91,7% (+2%) com a atuação do Ministério da Saúde em relação a esta.
A apreciação que os coordenadores têm feito do momento atual da reforma e do Ministério da Saúde deteriorou-se de um modo muito marcado e tem-se agravado muito no último quinquénio. No entanto, é o resultado de políticas que começaram em 2011, ano do início da TROIKA, e que os resultados deste estudo bem evidenciam (ver imagem abaixo). No período da TROIKA, com um governo PSD, começaram as quotas para a constituição de USF e o período de desgaste lento das USF. As USF modelo B – único serviço público elogiado no memorando da TROIKA – entraram num período de asfixia. Nos anos seguintes, os sucessivos governos mantiveram as quotas e os problemas foram-se avolumando, sendo a razão principal para a falta de equipas de saúde familiar para todos os residentes em Portugal. Está agora anunciada a generalização do modelo B para o início de 2024, mas falta a operacionalização da medida. Pensamos que é a medida que mais problemas vai resolver.
Os níveis de satisfação mais altos, considerando apenas os satisfeitos e muito satisfeitos de todas as estruturas avaliadas regista-se, então, em relação à atividade da própria USF (68,4%), à USF-AN (61,7%), aos Conselhos Clínicos (58,8%), às Direções Executivas dos ACES (58,4%), seguindo-se as ERA (36,4%) e o Poder Local (29,6%).
Em relação à USF-AN, importa referir que tem a percentagem mais baixa de muita insatisfação de todas as estruturas avaliadas (e lembrar que se inquiriu todos os coordenadores de USF, nem todos associados da USF-AN). É um dado importante porque quer dizer que se está a deixar pouca gente para trás na abrangência das propostas que têm sido feitas. Importa, ainda, relevar que a percentagem de satisfeitos e muito satisfeitos aumentou muito no último ano (ver gráficos abaixo).
Quando perguntamos quais os problemas mais importantes que importa resolver, a conciliação entre atividades na USF e a vida pessoal e familiar foi colocada no topo das prioridades para os coordenadores das USF com uma média de 4,55 (máximo 5). O segundo problema principal é a política de priorização dos CSP com 4,44, e a dimensão da lista de utentes é o terceiro problema principal referido, com 4,43. Em quarto lugar de prioridade decrescente, encontra-se a interoperabilidade entre programas informáticos em uso na USF, com 4,38. Finalmente, como quinto problema principal temos os incentivos institucionais, com 4,34.
Este ano as falhas informáticas ocorreram ainda com mais frequência de que no ano anterior: todas as USF tiverem pelo menos uma falha nos 12 meses anteriores. As falhas aconteceram mais de onze vezes em 71% das USF. Englobadas nestas últimas, em 26,3% das USF as falhas foram “mais de cinquenta” no último ano, quando no ano anterior já tinham sido 23,5% e em 2020/21 16%.
Quanto à resolução da indisponibilidade informática, na maioria das vezes esta ocorreu no mesmo dia, mas com atrasos importantes (77,4%). Em 8,5% dos casos a resolução só ocorreu no dia seguinte e em 4,2% apenas 48 horas depois.
Quando questionamos os coordenadores se “Não ter tido acesso às aplicações informáticas perturbou a qualidade dos cuidados que a USF prestou?“, 96,5% dos coordenadores confirmaram esse impacto negativo. Em todas as edições este valor é superior a 90%, parecendo não haver solução por parte da administração
Passando para o Funcionamento do ACES, cerca de metade dos coordenadores considera que a sua USF não tem instalações adequadas.
Os valores relativos a faltas de material básico para a atividade da USF voltaram a subir e no presente ano para o valor mais alto de sempre com 95,6% das unidades a terem falta de material considerado básico para a atividade normal de uma USF durante o ano, sendo que 50,2% das USF registaram estas faltas mais de 10 vezes, em 32,9% 3 a 10 vezes e em 12,5% uma a duas vezes.
Quanto à rapidez de reposição dessas falhas, só em 1,1% das USF é que ocorreu, para a maioria dos casos, no mesmo dia e sem atrasos importantes sendo este o pior resultado de sempre e demonstrando claramente a falência das estruturas de apoio às necessidades dos utentes e dos profissionais por parte das estruturas da administração – ARS, ULS e ACES.
Quanto à força de trabalho, em média, continua a faltar 1 profissional de cada grupo profissional nas USF em relação ao que estava acordado. As faltas têm maior expressão no grupo dos médicos, depois no dos secretários clínicos e depois o grupo dos enfermeiros.
Em 85,7% das USF respondentes, nos últimos 12 meses houve pelo menos um profissional ausente mais de 30 dias, sendo que na maioria (65,9%) a intersubstituição foi assegurada em exclusivo pelos profissionais da equipa.
Quanto à segurança e bem-estar dos profissionais, 77,3 % das USF tiveram pelo menos um episódio de qualquer tipo de violência nos últimos 12 meses.
Quanto à evolução das políticas implementadas ou propostas, quanto à decisão de extinção das ARS, 26,8% dos coordenadores está em desacordo ou muito desacordo, enquanto 25% está de acordo. Já quando se analisam as diferenças entre USF integradas ou não em ULS, é nas USF não integradas em ULS onde existem mais coordenadores de acordo com a extinção das ARS.
Quanto à criação das ULS mais de 52% dos coordenadores de USF estão em desacordo ou muito em desacordo enquanto 12,7% estão de acordo ou muito de acordo, estando as USF Modelo B em maior desacordo. De realçar que os coordenadores de USF não integrados em ULS estão em maior desacordo com esta criação (53,9%) do que as USF integradas (36,2%). Em relação à generalização das ULS a todo o território nacional mais de 54% dos coordenadores estão em desacordo ou muito em desacordo e 10,4% estão de acordo ou muito de acordo, estando as USF Modelo B em maior desacordo novamente. De novo, os coordenadores de USF não integrados em ULS estão em maior desacordo com esta generalização (56,1%) do que as USF integradas (40,4%).
Quanto ao atendimento da USF do Futuro, a maioria dos coordenadores e numa percentagem superior aos últimos 2 estudos prefere mais consultas presenciais do que consultas à distância (2020/21 – 79,1%, 2021/22 – 77% e 2022/23 79,8%), enquanto cerca de 5,6% prefere um sistema que privilegia as consultas à distância, um pouco superior aos 5,4% obtidos no estudo do ano passado. Salienta-se ainda que cerca de 14,6% demonstra preferência por um modelo híbrido equilibrado.
Este é mais um contributo da USF-AN para a mehoria do SNS. Este documento fecha com dois planos estratégicos, um para a ULS 2.0 e outro para a generalização do modelo B das USF e ,ainda, um mapa de melhorias mais genérico, uma agenda detalhada do que há a fazer. Tem de ser aproveitada!
***Aceda ao Estudo Momento Atual da Reforma dos Cuidados de Saúde Primários em Portugal 2022/2023 em pdf.
André Biscaia
António Pereira
Ana Maria Alves
Rui Cardeira
Leonor Xavier da Rocha
Gonçalo Melo