USF-AN – Enquadramento para as Eleições Autárquicas 2025 – “Não deixar ninguém para trás”

Comunicado USF-AN

14.agosto.2025

1. Introdução: Saúde como um bem comum

Desde os anos 1970, Portugal tem trilhado o caminho de construção de um sistema universal de saúde, assente no acesso equitativo, atempado e de qualidade.  Tem-se conseguido, apesar de Portugal ser um país pobre dentro da União Europeia, uma situação social, em várias áreas e não apenas na Saúde, pelo menos equivalente à média europeia. É o que se pode concluir, não de perceções, mas de dados estatísticos do último Perfil de Saúde do País 2023 da OCDE, como a taxa de desemprego ou a taxa de pobreza relativa, uma ferramenta importante para avaliar o impacto de políticas sociais e económicas na vida das pessoas.

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem sido um instrumento essencial nestas políticas públicas, com ganhos visíveis, sobretudo através do reforço dos Cuidados de Saúde Primários (CSP).
A Reforma de 2005, com, entre outras, a criação das Unidades de Saúde Familiar (USF), foi um marco de viragem. A qualidade dos cuidados aumentou significativamente e mantém-se elevada até hoje, conforme demonstram os dados da OCDE (ver perfil de saúde de Portugal 2023, já referenciado).

A satisfação da população acompanhou esta melhoria e marca bem a diferença do antes e do depois  da Reforma dos CSP de 2005, com a criação das Unidades de Saúde Familiar (USF).

No entanto, persistem desafios (de que os aumentos recentes, ainda que ligeiros, da mortalidade materna e mortalidade infantil ou a falta de equipas de saúde familiar para toda a população são exemplos) que exigem uma ação coordenada, nomeadamente entre o poder central e o poder local.

 

2.Melhorar as condições de trabalho no SNS

É urgente melhorar as condições de exercício profissional, promovendo a atratividade e a fixação de profissionais:

  • Redução do número de utentes por médico e enfermeiro e secretário clínico;
  • Digitalização inteligente e interoperável;
  • Desburocratização de processos clínicos e administrativos;
  • Apoio técnico e logístico à atividade clínica;
  • Horários flexíveis e adaptáveis às realidades locais;
  • Incentivos remuneratórios ajustados ao custo de vida de cada região;
  • Reconhecimento formal e remuneração adequada das várias funções de coordenação e chefia;
  • Acesso prioritário a habitação, creches e transportes para profissionais de saúde.

3. Papel do Poder Local: saúde em todos os setores

A autarquia é um agente de saúde pública. Cerca de 80% dos determinantes da saúde estão fora do setor da saúde. Interessam, por isso e em grande medida, ao poder local.

O que pode caber ao poder local, numa visão integrada da Saúde:

A. Promover estilos de vida saudáveis

Criação de equipas de preparadores físicos comunitários, integradas com as unidades de saúde;

  • Construção e requalificação de infraestruturas acessíveis para exercício físico;
  • Criação de “passeios da saúde” com sinalética e medição de distâncias;

B. Aumentar a literacia em saúde

Campanhas regulares para ensinar a descodificação de rótulos, receitas saudáveis e vídeos curtos de literacia;

  • Plataformas municipais de prescrição social digital, integradas com os centros de saúde;
  • Implementação de “embaixadores de saúde” locais (voluntários com formação básica em saúde comunitária para a promoção da literacia em saúde);

C. Ajudar a navegar o sistema de saúde

  • Promoção da figura de agentes comunitários de saúde, com função de mediação digital, apoio à marcação de consultas, transporte e adesão terapêutica (que podem, simultaneamente, ter outras funções e coordenar ações com outros setores, da educação, da segurança social, da segurança);
  • Instalação de postos municipais de apoio digital em saúde, com acesso à área do cidadão SNS e MySNS.

D. Apoiar a continuidade de cuidados

  • Apoio direto à gestão de doentes complexos através da criação de equipas municipais de gestores de caso (que poderiam, entre outros, gerir a má utilização dos serviços de urgência);
  • Criação de bolsas de cuidadores formais e informais, com incentivo à formação e valorização social;
  • Programas de telemonitorização para idosos isolados, articulados com as equipas de saúde familiar.

4. Suplementar e não competir com o SNS

O poder local deve suplementar, e não substituir ou competir com o SNS.A série “Publicação Ocasional” de maio de 2025 do Conselho das Finanças Públicas – “O SISTEMA DE SAÚDE PORTUGUÊS EM PERSPETIVA INTERNACIONAL: ANÁLISE COMPARATIVA”- traz mais uma série de dados abonatórios do desempenho do SNS, mas, também, aponta uma série de problemas, que são reais.

É possível abordar estes problemas com ações locais:

A. Na saúde mental:

  • uma rede de psicólogos municipais;
  • grupos comunitários de apoio (por exemplo nas áreas da ansiedade, da parentalidade, do luto);
  • parcerias com escolas e IPSS para prevenção em saúde mental.

B. Na saúde oral:

  • consultórios municipais de dentista com acordo com o SNS;
  • programa de higiene oral nas escolas e lares;

C. Na saúde da visão:

  • consultas de optometria gratuitas;
  • rastreios anuais;

D. Na reabilitação e funcionalidade:

  • apoio a gabinetes de fisioterapia convencionados e constituição de gabinetes de fisioterapia comunitários com horários pós-laborais;
  • protocolos com ginásios locais e associações desportivas.

E. Nos meios complementares de diagnóstico:

  • apoio à instalação de unidades com contratos que não discriminem utentes com requisições do SNS.

5. Apoiar quem trabalha no SNS

As autarquias podem e devem garantir condições que fixem os profissionais no território:

  • Complementos remuneratórios locais para profissionais do SNS (subsídios de risco, produtividade ou deslocação);
  • Acesso a habitação condigna e a preços acessíveis;
  • Protocolos com creches e escolas para acesso prioritário;
  • Apoio logístico (água, luz, gás) no caso de mobilidade profissional forçada;
  • Criação de um Gabinete de Apoio ao Profissional de Saúde, com ajuda na integração local e familiar.

6. Pontes para o futuro

O SNS é imprescindível para a sociedade portuguesa e têm de se reforçar as pontes entre níveis de governação, profissionais de saúde e cidadãos.

Para isso propõe-se:

  • Criação de Conselhos Municipais de Saúde com representação do SNS, autarquia, associações de utentes e sociedade civil;
  • Promoção de orçamentos participativos em saúde;
  • Fomento à criação de Unidades Locais de Saúde participadas (ULS com modelo de gestão partilhado com o poder local e participação dos profissionais de saúde, constituídos em comissões de trabalhadores com maior protagonismo na gestão);
  • Financiamento de projetos-piloto de inovação comunitária em saúde;
  • Criação de um “selo municipal amigo da saúde pública” para distinguir boas práticas.

7. Conclusão: uma visão glocal para a saúde

A saúde começa na habitação, nos transportes, no acesso à cultura, no urbanismo e no emprego. O Poder Local é, por isso, central na saúde pública. As eleições autárquicas de 2025 são uma oportunidade para defender uma visão glocal — pensamento e ações locais com base nas boas práticas universais e numa estratégia nacional de fortalecimento do SNS.

A Direção da USF-AN

*comunicado em pdf