Vacinação sazonal do outono-inverno 2023-2024 – A realidade dos números

COMUNICADO

04.dezembro.2023

Com a publicação da Portaria n.º 264/2023, de 17 de agosto, que estabelece o modelo de funcionamento da Campanha de Vacinação Sazonal do Outono-Inverno 2023-2024 contra a gripe e contra a COVID-19 em farmácias comunitárias, a USF-AN (Associação Nacional de Unidades de Saúde Familiar), enquanto representante multiprofissional atenta às políticas de saúde, em particular às estratégias de organização de cuidados essenciais, vem partilhar a sua avaliação deste modelo.

É importante referir desde já que os programas de literacia em saúde não se podem resumir a vender estratégias a qualquer custo. Estes programas são fundamentais, mas para tal devem ser claros e sustentados nas avaliações das estratégias adotadas anteriormente e na projeção realista daquelas que se quer implementar. Este ano, para a vacinação sazonal do outono-inverno 2023-2024, optou-se por mediatizar a inclusão das farmácias comunitárias na Campanha de Vacinação Sazonal do Outono-Inverno 2023-2024 contra a gripe e contra a COVID-19, em detrimento dos cuidados de saúde prestados pelas Equipas de Saúde Familiar nos centros de saúde e subalternizando até a informação sobre a importância da vacinação. As equipas de saúde familiar têm estado desde sempre na rede da vacinação e demonstrado muito bons resultados, não se compreendendo a atual a aposta e investimento quando o processo estava a ter sucesso e, ainda menos, a menorização dos Cuidados de Saúde Primários (CSP) na atual campanha (“vamos de bem a melhor”….)

Importa lembrar os dados do relatório da última vaga do Vacinómetro®, divulgados pela Sociedade Portuguesa de Pneumologia (2022/2023). Portugal, pelo quarto ano consecutivo, atingiu e superou a meta definida pela OMS (Organização Mundial de Saúde) para a cobertura vacinal das pessoas com mais de 65 anos de idade. Isto revela que a acessibilidade nunca foi um problema! Os portugueses confiam na vacinação em contexto das unidades de saúde dos CSP pela sua Equipa de Saúde Familiar e reconhecem a sua importância e o seu valor. Sabemos que no arranque da campanha vacinal, a 29 de setembro de 2023, apenas 17% do total de vacinas disponíveis em Portugal foram atribuídas aos centros de saúde. Ainda assim, no espaço de um mês e 20 dias os centros de saúde já tinham, por exemplo, administrado 538 868 vacinas contra a gripe, representando 30% do total de vacinas administradas em Portugal, muito além dos 17% inicialmente previstos. Realçando este desempenho, na mesma data, no ano transato (2022), os centros de saúde já tinham administrado cerca de 8,5% mais de vacinas da gripe, quer na faixa etária dos 70 aos 79 anos, quer na faixa etária dos 80 ou mais anos comparativamente a este ano, em que a vacinação destas faixas etárias foi atribuída às farmácias. Relativamente, à vacinação contra a COVID-19 a diferença ainda é mais acentuada, em 2022 mais 22% da população de 70-79 anos e 16,5% da população de 80 ou mais anos já tinham sido vacinados.  Tratou-se sempre de um serviço com um desempenho acima da média até ao presente ano.

Data70-79 anosM80 anos
20 de novembro202271%75%
202362,32%66,38%

Quadro 1 – Percentagem de vacinados em 2022 e 2023 contra a gripe no dia 20 de novembro

Fonte: NCAMS/DGS

Data70-79 anosM80 anos
202273,00%72,00%
202351,07%55,59%

Quadro 2 – Percentagem de vacinados em 2022 e 2023 contra a COVID-19 no dia 20 de novembro

Fonte: NCAMS/DGS

Portanto, as campanhas de vacinação, incluindo obviamente a acessibilidade, têm sido excelentes até ao ano passado e a situação piorou este ano.

Associado ao facto da taxa de vacinação estar em valores mais baixos do que em anos anteriores e já ter sido emitido um alerta para os centros de saúde retomarem a atuação que têm tido nas campanhas anteriores da vacinação da gripe e COVID-19, não podemos deixar de levantar questões técnicas e, ainda, as oportunidades perdidas. Quando a vacinação é integrada numa consulta de Enfermagem, ao nível dos centros de saúde, está assegurado um ambiente adequado e seguro, em que a confidencialidade está garantida, bem como a vacinação é complementada com intervenções de vigilância, enquadramento na rede de cuidados e gestão/acompanhamento do compromisso terapêutico. Seria importante a divulgação das avaliações à atual campanha de vacinação, comparativamente às anteriores e ao cumprimento de todas as normas da vacinação previstas na Portaria n.º 264/2023.

Ao ser verdade o pagamento de 2,5 euros por cada vacina contra a COVID-19 dada nas farmácias comunitárias, à semelhança do que é pago por cada vacina da gripe (num total de 11.500.000 euros e que, obviamente, teria de ser pago a cada ano, consubstanciando uma despesa fixa), não podemos deixar de questionar a razão dessa verba não ser usada para investimento no SNS (Serviço Nacional de Saúde), em particular nos Cuidados de Saúde Primários! Esse valor podia, por exemplo, ser usado para contratar e remunerar 639 enfermeiros (sensivelmente o número de enfermeiros em falta no SNS), já que equivale a um ano do salário deste conjunto de enfermeiros. Esta opção, para além de garantir a vacinação sazonal, garantia também cuidados de Enfermagem qualificados a cerca de 1 milhão de utentes sem enfermeiro de família! Estes cuidados de enfermagem poderiam por exemplo ser utilizados para aumentar a acessibilidade na abordagem da doença aguda.

A transferência de financiamento de verbas do SNS para entidades privadas está a conduzir à privatização de um serviço de sucesso do SNS, vindo, após um mês e 23 dias de vacinação, a Direção-Executiva do SNS, encarregue da operacionalização de todo este processo, solicitar aos profissionais das USF (Unidades de Saúde Familiar) e UCSP (Unidades de Cuidados Saúde Personalizados) para convocarem urgentemente os utentes com idade superior a 60 anos “… pedimos que iniciem de imediato, o convite ativo para a vacinação a população com 60 ou mais anos. Por motivos de maior risco, naturalmente, pedimos que priorizem os vossos utentes com 80 ou mais anos, depois os com 70 ou mais anos e só depois os utentes com 60 ou mais anos.”. Com a transferência da vacinação este ano para as farmácias, o Diretor-Executivo do SNS retirou aos centros de saúde, um mês e 23 dias de vacinação acima dos 60 anos, isto num ano em que há uma crise grave nos serviços de atendimento à doença aguda. Tem de se concluir que o Diretor-Executivo do SNS não reconhece o esforço das Equipas de Saúde Familiar dos centros de saúde na conquista das taxas de cobertura vacinal da população que têm colocado Portugal nos lugares cimeiros a nível mundial. A prová-lo está a nova proposta de, no próximo ano, permitir às farmácias comunitárias administrar as vacinas contra o tétano e difteria!

“Muito obrigado por todo o vosso trabalho e empenho nesta campanha de vacinação! A relação de confiança que foram criando ao longo dos anos com os vossos utentes é fundamental para atingir este desígnio nacional da vacinação.” Foi assim que a Direção-Executiva do SNS terminou a comunicação com os centros de saúde em que solicita a intervenção urgente dos Cuidados de Saúde Primários. É, também, fundamental ligar os atos às palavras.

Vimos assim, desta forma, defender que todo o Programa Nacional de Vacinação e consequentemente qualquer campanha de vacinação sazonal deve estar centrada nos Cuidados de Saúde Primários, até porque, o mesmo já faz parte da carteira básica de serviços das USF. Assim sendo, a vacinação como serviço essencial não deve ser privatizada, mas sim levar à criação de condições para a sua concretização, cada vez mais otimizada, pelo SNS.

Não podemos cair no erro de apostar em cuidados de saúde desintegrados, em que se perde o valor dos cuidados globais e de proximidade prestados pelas Equipas de Saúde Familiar.

A Direção

* Comunicado em pdf