COMUNICADO
10.março.2025
Há algum tempo que a USF-AN perspetivava que a relação entre o Ministério da Saúde e as Unidades Locais de Saúde – ULS não estava bem. As ULS foram perdendo terreno já que nunca demonstraram evidência de melhoria em nenhum dos seus objetivos, da integração dos cuidados de saúde à prestação de cuidados, para além de não terem conseguido ultrapassar a habitual suborçamentação da Saúde e acabado o ano com um prejuízo de 1500 milhões de euros. Fez-se uma comissão de reavaliação, estudaram-se as ULS Universitárias (nenhuma delas com elementos dos cuidados de saúde primários (CSP) – personagem mais do que secundária em todo o processo desde o seu início) … o ”amor” parecia chegar ao fim. O piscar de olho às parcerias público-privadas (PPP) ficou, então, mais do que evidente, ainda que nunca sustentado nas evidências: avancemos para uma ULS Sintra/Cascais (com mais população do que alguns países) com um hospital em gestão PPP, arrastando-se os CSP sem nunca sequer se conhecer uma avaliação do desempenho da gestão PPP atual do Hospital de Cascais. Obviamente, essa avaliação é irrelevante porque a opção é ideológica! Mas é um amor antigo, que remonta à primeira Direção-Executiva do SNS que depois de generalizar o modelo ULS sem qualquer evidência que a sustentasse (não se perca tempo com minudências quando o amor é verdadeiro), demostrou que a verdadeira finalidade das ULS era fazer PPP que incluíssem os CSP, depois de os esmagar em ULS centradas nos hospitais. No entanto, a relação com as PPP também não é um mar de rosas e os casamentos têm sido conturbados e na Saúde a maior parte terminou de forma súbita num divórcio litigioso por serem um negócio ruinoso para os parceiros privados que não voltarão a cair numa igual. É o próprio Tribunal de Contas que, denunciando a relação assimétrica, “constata que contratualmente o risco de procura está alocado às concessionárias, e que estas não o controlam pois, em grande medida, é o Estado que determina a oferta dos cuidados de saúde na área de influência”. Aviso este que serve também para quem embarcar nas USF C.
Num outro relatório do Tribunal de Contas pode-se ler “ao longo do período de execução dos contratos (2009-2019), a produção anualmente contratada pelo Estado a cada um dos parceiros privados ficou, por vezes, aquém da produção realizada, pelo que parte da produção não foi remunerada ou foi remunerada a preços marginais inferiores”, levando a pensar o que seriam as contas se todas as despesas tivessem sido consideradas. Neste mesmo documento fala-se mesmo de ”entrada em situação de “falência técnica”” em relação a uma das PPP. No contexto descrito, não é estranho a conclusão que fazem: “as PPP hospitalares geraram poupanças para o Estado”. E é à luz deste contexto que deve ser lida uma das suas conclusões “As PPP hospitalares foram genericamente mais eficientes do que a média dos hospitais de gestão pública comparáveis e estiveram alinhadas com o desempenho médio do seu grupo de referência quanto aos indicadores de qualidade, eficácia e acesso.” No entanto, no final, este relatório termina dizendo a “fundamentação da escolha entre a contratação pública tradicional e as PPP, em análises custo-benefício, por forma a garantir a melhor aplicação dos dinheiros públicos para a satisfação de necessidades coletivas, em observância dos princípios da economia, da eficiência e da eficácia da despesa pública”. Não dão a discussão por encerrada, portanto. Cá esperamos pelas análises custo-benefício antes de decidir por novo casamento.
A própria Entidade Reguladora da Saúde (ERS), não reconheceu o “potencial transformador” das PPP, uma vez que, como se diz no ESTUDO DE AVALIAÇÃO DAS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS NA SAÚDE “não se retira uma ilação global a respeito da vantagem ou desvantagem da gestão em regime de PPP” e “não foi possível identificar diferenças estatisticamente significativas entre os resultados do grupo de hospitais PPP e o grupo de outros hospitais do SNS”.
Mesmo na vertente pura e simplesmente financeira, os dados não são o paraíso que se pretende passar. O Tribunal de Contas (na sua auditoria n.º 18/2013, da 2ª secção referente aos encargos do Estado com as PPP no sector da saúde, pág 16) “sublinha que, apesar do apuramento do value for money das PPP das grandes unidades hospitalares na fase de contratação, ainda não existem evidências que permitam confirmar que a opção pelo modelo PPP gera valor acrescentado face ao modelo de contratação tradicional.”
Num artigo sobre esta auditoria, realça-se, citando a mesma, “a fiscalização efetuada tem, em muitos casos, apontado falhas ao desempenho destes projetos, nalguns casos graves a ponto de serem enquadráveis nos motivos previstos para a rescisão contratual pelo Estado” e vai mais longe, “a ideia de o privado seguir o interesse público como se do próprio Estado se tratasse” levanta, portanto, “sérias reservas” e conclui “em suma, acolhemos o modelo de PPP na saúde como um excelente modelo teórico, mas com consequências nefastas ao nível da sua concretização prática, sendo estas imputadas a conduta negligente do Estado (parceiro público) que não exerce eficazmente os seus poderes-deveres, maxime de fiscalização, controlo e direção, sobre o seu parceiro privado, censurando igualmente este, por não prosseguir o interesse público em nome do Estado como deveria, buscando, pelo contrário, grandes margens de lucro”.
O próprio atual Ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, concluiu num estudo sobre as PPP na Saúde: “em suma, com base nos resultados das duas metodologias (Econométrica e DEA), foi possível concluir que os hospitais em regime PPP foram, em média, mais eficientes que os EPE no período considerado”, mas acaba por ter de admitir que “apesar do foco desta análise ser a média da eficiência dos dois modelos de gestão, este facto é revelador de que a gestão pública pode ser eficiente, dadas as condições necessárias”. Destaca, ainda, que um outro aspeto que vale a pena referir, “prende-se com a qualidade do serviço hospitalar e a perceção que os utentes têm sobre o serviço que lhes é prestado. Para considerar esta vertente, teriam que ser estudadas e, eventualmente, incluídas novas variáveis que refletissem esta realidade. Por último, a reduzida dimensão da amostra e do intervalo temporal considerado, contribui para que estas conclusões sejam menos robustas do que seria desejável”.
Fazem-se agora novas juras de amor, que agora as PPP serão muito diferentes, adequadas ao contexto atual, PPP 2.0. Uma cantiga que já se ouviu aquando da criação das ULS. Acredite quem puder! Provavelmente será mais do mesmo, tal como aconteceu com as ULS. Espera-se um processo inicial confuso, onde a primeira medida passe apenas pela mudança da sigla de identificação e de seguida se tomem medidas avulsas infundadas, mas declaradas com toda a certeza do mundo.
Também estamos numa fase de experimentalismos (com coisas sérias), uma espécie de blind date: nunca houve uma PPP com CSP, que são bem mais complexos do que os cuidados hospitalares, com muito menos mapas e necessidade de adaptação constante a contextos variados e em permanente mutação. E, mesmo assim, os grupos de trabalho do Ministério da Saúde continuam a não incorporar elementos dos CSP.
A edição de 13 fevereiro 2025 do programa Café Duplo da TSF – “A mini-remodelação e o regresso das parcerias público-privadas na saúde” é esclarecedora sobre as posições em jogo sobre as PPP na Saúde. De um lado, o elogio desmesurado às PPP na Saúde, sem qualquer referência a evidência que o suporte, acompanhado da afirmação que o outro lado, o que se opõe às PPP, é guiado ideologicamente… Do outro, estudos de entidades inquestionavelmente independentes, que “não metem ideologia na Saúde” e que dizem “não foi possível identificar diferenças estatisticamente significativas entre os resultados do grupo de hospitais PPP e o grupo de outros hospitais do SNS”. Portanto, é possível seguir as regras da gestão pública e ter resultados, pelo menos, semelhantes aos de entidades privadas. Então, qual o racional para desviar fundos públicos para financiar entidades privadas? E otimizar as regras de gestão pública ou melhorar os recursos de gestão dos organismos públicos não seriam melhores opções?
Realçamos como principal falha em todo este processo, a falta de uma “task-force“, especializada no lançamento, contratação e acompanhamento de PPP, como é utilizado em outros países, e que se baseasse nas evidências sobre casos nacionais em curso e passados. Acima de tudo, que se evitasse utilizar uma tática como a que foi usada com as ULS, em que o único estudo apresentado pela DE do SNS para fundamentar as ULS, EPE – “Acompanhamento do modelo de implementação, desenvolvimento e monitorização das ULS”, não avaliou os últimos 25 anos em que existiram estas ULS, EPE, mas, no entanto, promoveu a sua generalização essencialmente porque havia pessoas que acreditavam muito, mas mesmo muito, nelas. O amor é cego!
Os portugueses, utentes e profissionais de saúde, gostariam que tivesse havido mais clareza e transparência nas intenções nas ULS e agora nas PPP! O que se sabe sobre as ULS, EPE, conforme existiam e permanecem, não confirma que é este o caminho para a integração, melhoria e eficiência dos cuidados de saúde. Desejamos, agora, que não se cometa o mesmo erro e que a falta de evidência de vantagem das PPP previna a sua generalização na Saúde.
Há evidências para podermos basear as políticas de saúde. Têm de ser utilizadas!
Os portugueses têm o direito de saber qual o custo, financeiro e em qualidade dos cuidados, dos caminhos para onde o SNS está a ser levado.
Queremos que o casamento entre Portugal e os bons indicadores de Saúde seja duradouro!
A USF-AN reafirma a sua disponibilidade para, continuamente, apoiar a construção e implementação de políticas de saúde que sirvam a população, promovam cuidados de saúde de qualidade e garantam a sustentabilidade do SNS.
A Direção