“MUDAR SÓ POR MUDAR, AINDA MAIS SEM EVIDÊNCIA TÉCNICA, NÃO SERVE O INTERESSE PÚBLICO”
COMUNICADO
22.setembro.2024
“Mudar só por mudar, ainda mais sem evidência técnica, não serve o interesse público” – há sabedoria nestas palavras do anterior Ministro da Saúde Manuel Pizarro, replicadas, nos últimos dias, em vários meios de comunicação social, mas, no entanto, quando foi Ministro da Saúde não seguiu esta máxima quando decidiu passar o processo de vacinação da gripe e COVID-19 maioritariamente para as farmácias comunitárias. O processo sempre correu bem até ao ano passado. Quando o processo estava centrado nos centros de saúde, Portugal era dos melhores do mundo nesta vacinação, dos poucos países que atingia as metas da Organização Mundial da Saúde (OMS), e em tempo útil, mas o Governo e a Direção-Executiva do SNS decidiram alterar todo o processo, sem a tal fundamentação na evidência técnica, desorganizando tudo e tendo pior desempenho. Uma prova disso é que se voltou a mudar este ano, aproximando do que se fazia antes.
O que se passou no ano passado não foi um aumento dos locais de vacinação, como afirmou o ex-ministro, mas o desvio da maioria (83%) das vacinas dos centros de saúde para as farmácias. Os centros de saúde queriam vacinar os seus utentes e não tinham vacinas para o fazer, enquanto as farmácias não conseguiam vacinar toda a gente que era necessário vacinar em tempo útil. Este estado de coisas levou a que se chegasse ao final de novembro de 2023, no início do pico da época gripal e quando era útil ter uma cobertura vacinal no alvo, com uma taxa de vacinação baixa, como evidenciado nos múltiplos comunicados da USF-AN e nos dados oficiais. Nos anos anteriores, quando o processo estava centrado nos centros de saúde, tinham-se conseguido taxas maiores logo em novembro.
Avaliar a vacinação da gripe apenas com os números de março, no fim da época gripal, quando já é menos útil, não faz sentido. No entanto é o que tem sido feito este ano, ignorando os números da taxa de vacinação ao longo da época gripal e de internamentos em unidades de cuidados intensivos por casos de gripe complicada. Aliás, o anterior governo assumiu o fracasso quando, já no final de novembro de 2023 pediu que os centros de saúde tomassem conta do processo, fazendo o que sempre fizeram, mas já era tarde. É importante uma avaliação independente de todo o processo. Basear-se avaliações do processo de vacinação num estudo financiado e concretizado pela ANF – Associação Nacional de Farmácias sobre o seu próprio desempenho ainda menos sentido faz.
É importante, também, voltar a reforçar que o processo de vacinação 2024/2025 que ocorrerá nas farmácias tem um custo para o Estado e, portanto, para todos os Portugueses! Este ano a tutela, aumentou em 50 cêntimos o preço pago às farmácias pela administração de cada vacina (três euros), indo ao encontro de exigências das farmácias. No entanto, os centros de saúde poderiam, como em anos anteriores, fazer todo o processo.
Conforme descrito na Portaria n.º 201/2024/1, de 4 de setembro, o modelo de vacinação sazonal 2024/2025 contra a gripe e contra a Covid-19 envolve, “para além da aquisição das vacinas, um impacto orçamental até 7.600.000 euros, correspondente à remuneração que, no total, será paga às farmácias“, lê-se na portaria assinada pela Secretária de Estado da Saúde, Ana Povo. Não podemos, mais uma vez, deixar de voltar a questionar a razão dessa verba não ser usada para investimento no SNS, em particular nos Cuidados de Saúde Primários (CSP), nomeadamente, nos recursos humanos dos centros de saúde, possibilitando um maior acesso destes às pessoas, por exemplo, na abordagem da doença aguda.
A USF-AN tem alertado em diversos comunicados, o último dos quais de 21 de agosto, que a questão da facilitação do acesso que as farmácias possibilitariam não se comprovou nas taxas de vacinação! Analisando a tal “evidência técnica”, tão salientada pelo anterior Ministro da Saúde, Manuel Pizarro, tendo em conta os dados recolhidos do Bilhete de Identidade dos Cuidados de Saúde Primários (BI-CSP), dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), chega-se à conclusão, que o processo de vacinação quando foi centrado nos centros de saúde foi sempre mais ágil e com maior número de inoculações e no tempo útil necessário.
Se nos focarmos no indicador “Proporção de utentes com vacina gratuita pelo SNS”, vacinados por região (BI-CSP, SPMS), concluímos que, em 2023, a proporção de utentes vacinados foi francamente menor em todas as regiões do país. Neste sentido, o argumento de que a rede de farmácias melhorou o acesso garantindo a cobertura de partes do território que, de outra forma, seriam excluídas, durante o período crítico de vacinação não encontra sustentação.
Uma das novidades do processo vacinal da época 2024/2025 comparativamente com o ano anterior é que a vacinação contra a gripe com dose reforçada é alargada às pessoas com 85 ou mais anos de idade, mas estes utentes têm de ser vacinados nos Centros de Saúde. E neste ponto consideramos esta medida correta e que nada tem a ver com a “discriminação social” com que alguns acenam. É exatamente o contrário! O acesso à vacina da gripe de dose elevada aumentou, pois no ano passado só os residentes nos lares e na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados a recebiam gratuitamente.
Por outro lado, tal como refere a Diretora-Geral da Saúde, Dra. Rita Sá Machado, no Jornal de Notícias, de 20 de setembro, na decisão estão questões logísticas que motivaram a concentração nos centros de saúde da vacina de dose elevada, de forma que “cada uma destas unidades disponha de um maior número de doses para responder à procura esperada”. Saliente-se, que este foi um dos grandes problemas do atraso da vacinação na época sazonal anterior (2023/2024), a falta de vacinas nos centros de saúde e não nos podemos esquecer de tal! Os dados estatísticos indicam que a estratégia de centralizar a vacinação nas farmácias na época gripal 23/24 numa fase inicial, colocou em causa todo o processo, ficando associado ao aumento do número de casos graves de gripe (que necessitaram de internamento em UCI), mais do dobro e a um pico de casos (o maior dos últimos 12 anos).
A USF-AN vem mais uma vez reforçar a necessidade de que a estratégia de vacinação contra a gripe esteja centralizada nos centros de saúde por tudo o que foi exposto atrás e para se garantir uma gestão mais eficiente do processo e uma utilização mais adequada dos recursos do SNS, sem gastos financeiros acrescidos para o Estado.
É crucial, também, que as Unidades Locais de Saúde (ULS) sejam capazes de, em termos logísticos, fornecer as doses de vacinas necessárias para as equipas de saúde poderem vacinarem os seus utentes elegíveis em tempo útil. Aqui importa referir que há grandes assimetrias no país. Umas USF receberam todas as vacinas que pediram, mas outras não receberam nenhuma vacina (caso de todas as USF da ULS de Coimbra, a maior do país, que só começarão a vacinação no dia 25 de setembro). É fundamental que haja previsibilidade no fornecimento das vacinas aos centros de saúde, tal como está a acontecer com o fornecimento às farmácias. Não pode acontecer o que tem acontecido em anos anteriores.
Ainda, é necessário que toda a comunicação seja certeira. Por exemplo, toda a população-alvo recebeu, na passada quinta-feira, os seguintes dois SMS.
O primeiro ajudou, o segundo levou a uma corrida aos centros de saúde e farmácias, resultando em tempo perdido para esclarecer os utentes. Tem de haver atenção a toda a comunicação e esta tem de ser adaptada localmente.
Do que depender diretamente das equipas de saúde familiar, tudo será feito para que este ano a campanha de vacinação da Gripe e da COVID-19 tenha sucesso.
A Direção