COMUNICADO
18.junho.2024
Estão anunciados para hoje a apresentação de um estudo e de uma campanha de marketing sobre o processo da vacinação sazonal da gripe na época 2023/2024, realizados pela Associação Nacional de Farmácias (ANF).
A Campanha de Vacinação Sazonal do Outono-Inverno 2023-2024 contra a gripe e contra a COVID-19 mudou nesta época gripal e foi centralizada, pela primeira vez, nas farmácias., modelo implementado pela anterior Direção Executiva do SNS (DE-SNS).
Até este ano, a vacinação sazonal contra a gripe era centralizada nas unidades funcionais dos Cuidados de Saúde Primários (CSP), nos centros de saúde e corria bem: Portugal era dos poucos países que conseguia cumprir as metas da Organização Mundial da Saúde e em tempo útil, ou seja, antes do início das fases mais críticas da época gripal. Isto revela que a acessibilidade nunca foi um problema!
Este ano, os números de anos anteriores foram atingidos tardiamente e só depois de ter sido pedido aos centros de saúde para fazerem o que sempre fizeram bem. Até essa altura, as vacinas foram desviadas para as farmácias e os centros de saúde, mesmo querendo vacinar, não tinham vacinas. A 29 de setembro de 2023, apenas 17% do total de vacinas disponíveis em Portugal foram atribuídas aos centros de saúde. Ainda assim, no espaço de um mês e 20 dias os centros de saúde já tinham administrado 538 868 vacinas contra a gripe, representando 30% do total de vacinas administradas em Portugal, muito além dos 17% inicialmente previstos. Logo, se mais vacinas tivessem tido, mais teriam vacinado, enquanto nas farmácias não se conseguiu vacinar todas as pessoas necessárias.
Portanto, as campanhas de vacinação, incluindo obviamente a acessibilidade, têm sido excelentes até ao ano passado e a situação piorou este ano.
Paralelamente, registou-se mais do dobro dos casos de gripe internados nas Unidades de Cuidados Intensivos (UCI), ou seja, houve mais casos graves de gripe.
Ainda, houve alarme social pelo aumento dos casos de gripe e o estado vacinal em 2024.
Posto isto, há várias perguntas necessárias:
- Como se explica que tenha havido mais do dobro dos casos de gripe internados em Unidades de Cuidados Intensivos em Portugal quando se mudou a estratégia de vacinação para as farmácias?
- Qual a fundamentação técnica para se ter feito esta alteração de paradigma na estratégia vacinal, quando a estratégia anterior era das melhores do mundo?
- Foi feito algum estudo de impacto económico prévio desta mudança de estratégia? E esse estudo foi avaliado pelas autoridades competentes?
- Como vai ser na próxima época gripal?
Tentando analisar cada uma destas questões.
Como se explica que tenha havido mais do dobro dos casos de gripe internados em Unidades de Cuidados Intensivos em Portugal quando se mudou a estratégia de vacinação para as farmácias?
Analisando os dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge no que respeita à Vigilância Epidemiológica da Gripe e se analisarmos o boletim mais recente com o mesmo de período homologo do ano anterior, comparando o período entre a semana 40 de 2023 e a semana 23 de 2024 e o mesmo período de 2022 e 2023, verificamos:
Fonte:https://www.insa.min-saude.pt/category/informacao-e-cultura-cientifica/publicacoes/atividade-gripal/
Ou seja, houve mais do dobro de casos de gripe internados nas Unidades de Cuidados Intensivos (UCI), assim como o dobro da percentagem de pessoas internadas por gripe nestas UCI em relação ao total de pessoas internadas nas mesmas unidades por todas as causas na época gripal de 2023/2024 (quando a vacinação sazonal da gripe foi centralizada nas farmácias) do que na época gripal de 2022/2023 (quando a vacinação sazonal da gripe estava centralizada nos centros de saúde, como sempre estiveram até ao ano passado).
O gráfico seguinte, retirado dos Boletins de Vigilância Epidemiológica da Gripe e outros Vírus Respiratórios do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, apresenta a evolução semanal da proporção (%) de doentes com gripe em UCI desde 2012 até 2024. Nunca houve um pico de casos de gripe nas UCI tão acentuado como na época gripal de 2023/2024. Por sua vez, nunca a comparação com a época imediatamente anterior foi tão abissal. O problema dos picos de casos é um problema, igualmente grave, mas diferente do número total de casos. Um pico pode levar à rutura da capacidade de resposta, num dado momento, de recursos, como as UCI. Portanto, a estratégia de centralizar a vacinação nas farmácias nesta época gripal, fica associada ao aumento do número de casos graves de gripe (que necessitaram de internamento em UCI) e a um pico de casos (o maior dos últimos 12 anos). Todo este cenário agravado porque havia, igualmente e em simultâneo, uma crise nas urgências hospitalares. Portanto, a DE do SNS em vez de se concentrar na resolução desta crise das urgências hospitalares, decidiu alterar uma estratégia que corria bem, agravando este problema.
Figura 1 – Evolução semanal da proporção (%) de doentes com gripe em Unidades de Cuidados Intensivos. Fonte: Direção-Geral da Saúde, Rede de Hospitais para a Vigilância Clínica e Laboratorial em Unidades de Cuidados Intensivos. Copiado de Boletim de Vigilância Epidemiológica da Gripe e outros Vírus Respiratórios, época 2023/2024, semana 23
Qual a fundamentação técnica para se ter feito esta alteração de paradigma na estratégia vacinal, quando a estratégia anterior era das melhores do mundo?
A anterior Direção-Executiva do SNS, no seu relatório, não apresenta a justificação técnica suficiente (como também não o fez para a generalização das Unidades Locais de Saúde, EPE [ULS, EPE]) sustentada em dados concretos e auditáveis, para esta decisão de alterar o paradigma numa estratégia de vacinação que correu sempre muito bem. A alteração não foi minor! Foi alterar quase tudo… numa área de excelência do SNS.
Foi feito algum estudo de impacto económico prévio desta mudança de estratégia? E esse estudo foi avaliado pelas autoridades competentes?
Está anunciada para hoje, como foi dito, a apresentação de um estudo e de uma campanha de marketing sobre o processo da vacinação sazonal da gripe na época 2023/2024, realizados pela Associação Nacional de Farmácias (ANF).
As perguntas necessárias são: não foi feito nenhum estudo de impacto económico prévio? E essa avaliação, a ter sido feita, não passou por uma apreciação pelos organismos competentes do Estado, que, neste caso, pensamos, ser o INFARMED (também presente nesta apresentação)?
A sequência lógica, pensamos, já que estamos a avaliar uma mudança de um processo que corria muito bem e envolve verbas avultadas entre entidades privadas (farmácias e ANF) e o Estado, deveria ter sido a seguinte: a ANF fazia o estudo económico prévio da medida que estava a querer ver implementada, estudo que posteriormente seria avaliado pelo INFARMED e que, de seguida, teria avaliação da DGS (Direção Geral da Saúde) para medir o impacto para a saúde (nomeadamente o eventual impacto no número de casos de gripe, nas urgências, nos internamentos e na mortalidade). Só depois deste trabalho conjunto, a DE-SNS estudaria a implementação da medida, agia-se em conformidade e far-se-ia a avaliação dos resultados da mesma. Nada disto está relatado com o detalhe suficiente no Relatório da DE do SNS, nem veio a público!
Convém também lembrar o custo económico desta opção! Pelo que se sabe, existiu o pagamento de 2,5 euros por cada vacina contra a Covid-19 administrada nas farmácias comunitárias, à semelhança do que é pago por cada vacina da gripe (num total de 11.500.000 euros e que, obviamente, teria de ser pago a cada ano, consubstanciando uma despesa fixa). Não podemos deixar de questionar a razão dessa verba não ser usada para investimento no SNS (Serviço Nacional de Saúde), em particular nos Cuidados de Saúde Primários! Esse valor podia, por exemplo, ser usado para contratar e remunerar 639 enfermeiros (sensivelmente o número de enfermeiros em falta no SNS), já que equivale a um ano do salário deste conjunto de enfermeiros. Esta opção, para além de garantir a vacinação sazonal, garantia também cuidados de Enfermagem qualificados a cerca de 1 milhão de utentes sem enfermeiro de família! Estes cuidados de enfermagem poderiam por exemplo ser utilizados para aumentar a acessibilidade na abordagem da doença aguda.
Por outro lado, o momento da vacinação da gripe é um momento importante em termos de cuidados de enfermagem nos CSP. É a altura em que se revê o restante programa vacinal, abordam-se outras estratégias preventivas e de promoção da saúde, como os rastreios, ou os cuidados na doença crónica como a diabetes ou hipertensão arterial.
Como vai ser na próxima época gripal?
A USF-AN não se conforma com este modo de decidir estratégias com impacto relevante na Saúde das pessoas. Há evidências para podermos basear as políticas de saúde. Têm de ser utilizadas! Esperamos que este tipo de erro não se repita e a próxima época vacinal possa decorrer de um modo que permita que se alcancem os objetivos, como se tem conseguido nos últimos anos, com exceção do último.
Os portugueses têm o direito de saber qual o custo financeiro e em qualidade dos cuidados, dos caminhos para onde o SNS está a ser levado.
A USF-AN quer reafirmar a sua disponibilidade para, continuamente, apoiar a construção e implementação de políticas de saúde que sirvam a população, promovam cuidados de saúde de qualidade e garantam a sustentabilidade do SNS.
A Direção